O amigo Henrique Sanches, o Cavaleiro do SciFi, me desafiou a participar de seu projeto, em que autores criam minicontos com base em artes incríveis que ele cria/ seleciona. Me passou duas imagens para eu escolher e acabei escrevendo histórias sobre ambas. Os estilos e gêneros diferem, mas os contos giram em torno de homens deploráveis, que exercitam a possessividade e a objetificação feminina sem pudor. Uma com uma pegada de ficção científica e a outra mais de realismo fantástico/ fantasia.
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Se não deu pra viajar a lugar algum nas férias escolares, – o trabalho não deu trégua – tive a oportunidade de visitar lugares remotos e misteriosos.
A primeira parada foi nos corações de homens solitários, guiado pela caneta sempre mágica e precisa de Haruki Murakami, um dos autores que mais li na vida (ao lado de Neil Gaiman e Asimov). Mas ainda não tinha me debruçado sobre Homens sem mulheres, de 2014. São sete histórias que se passam no murakamiverso, o Japão real e mágico do autor, em que coisas fantásticas acontecem e as pessoas possuem opiniões e percepções profundas sobre a vida o universo e tudo mais.
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— Por que eu me importaria?
— Eles são seus irmãos.
— Irmãos? Sou filho único. Todo mundo que conheci já morreu.
— Ainda assim são como você.
— Será? Será que eu os reconheceria? Eles veriam a mim como um deles?
— Você é praticamente humano.
— O problema é esse praticamente. Minha espécie já fez coisas terríveis com outros humanos por diferenças muito menores. Na verdade, nem eram diferenças reais.
— Minha espécie.
— O que tem?
— Você chamou os humanos lá embaixo de “minha espécie”. No fundo você sabe que é um deles. Que são seus irmãos. Não tem o direito de fazer isso.
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Ouvi um crec. Ninguém falou que ia fazer crec. Quero ir embora. Não posso. São umas cinco fivelas me prendendo. Agora foi um tchunfa? É, com certeza um tchunfa. Ai caramba. Não quero mais. Preciso sair. Alguém me deixa ir embora!
Onde fica o botão de pânico? Não tem. Que astronauta ia precisar de botão de pânico? Tem uns mil botões aqui no painel da cápsula. Não alcanço nenhum. A barriga ronca. É fome. Me tremo todo. Não. Tá tudo tremendo também. Tremendo, fazendo crec e tchunfa. Agora começou um xuuuuuu igual ao da fumacinha subindo quando Aurora tá passando roupa e deixa o ferro de passar em pé pra ver se os meninos tão aprontando alguma coisa. Costumo me pirulitar na hora do xu, mas agora não posso. A vontade é de correr e me esconder debaixo de uma cadeira. Mas como, se estou preso? São umas cinco fivelas.
(mais…)A música brasileira é rica, vasta e diversa. E, com tanta amplitude, é claro que haveria até espaço para a ficção científica. São muitos clássicos do rock brasil e da MPB inspiradas em scifi ou em descobertas científicas. Confira abaixo 10 canções de olho no Espaço e no futuro (com um olhar tendencioso para o rock, assumo). A lista é enorme, e deixei de listar aqui muitos nomes. Aliás, falando nisso, que outras músicas você incluiria na lista?
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Tem conto novo pronto para sair em mais uma revista literária. A história “O mestre de todos os paranauês” foi selecionada para o edital 2023 da Escambanáutica. A publicação é inspirada no formato das Pulp Magazine clássicas, reunindo literatura fantástica/especulativa (horror, ficção científica etc) com tempero latino-americano e um cuidado decolonial/ pós-colonial.

Foi um desafio, pois enverederei nesse conto mais pelo caminho do fantástico do que do SciFi, e ainda tive que trazer a preocupação do olhar decolonial, que não é exatamente marcante nos meus textos. É um exercício muito bacana, de se colocar no olhar do outro, daquele que por muito tempo não teve voz ou espaço.
O texto é leve, no entanto, flertando com o humor. Praticamente a gênese de um super-herói bem brasileiro. Assim que tiver novidades sobre o lançamento, aviso todo mundo e o link para a revista estará na Livraria do Brogue.
O Youtube anunciou o Aloud, nova ferramenta que permitirá criar dublagens de vídeos da plataforma em poucos minutos. Quando estiver disponível, permitirá que creators brasileiros possam disputar espaço com youtubers de todo o mundo (e vice-versa).
Ao mesmo tempo, avançam as capacidades de tradução das ferramentas de Inteligência Artificial, tanto na qualidade dos textos quanto no volume de tokens (ou seja, de palavras) por tradução.
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O Cory Doctorow, jornalista, escritor de ficção científica e um dos pioneiros digitais, usa um termo ótimo para o processo de estragação das plataformas digitais: enshittification (que vou traduzir aqui como merdificação). Em resumo, ele defende que todas compartilham um ciclo de crescimento e merdificação que passa por atrair o máximo de pessoas (alguém tem convite pro BluesKy aí?) com promessas incríveis, criar muros técnicos, psicológicos e financeiros para ninguém poder sair (inclua-se “usuários”, marcas, criadores de conteúdo e empresas) e, feito isso, espremer as laranjas até o bagaço.
Muitos aceitam os termos de uso e seguem suas vidas, não ligando para um anúncio mais invasivo aqui, o fechamento de pequenas lojas e veículos de imprensa acolá. Outros se adaptam e dedicam enorme energia a decifrar os algoritmos para “destravar” os perfis e alimentar as máquinas com temas, dancinhas, durações, termos e quantidade de palavras ditadas pelo punhado de donos de muros ao nosso redor.
Aldeias globais, descentralizadas e federadas

Muitos, mas não todos. Aí entram mastodontes, mamutes e afins. O movimento em torno das redes descentralizadas e federadas, o fediverso, vem ganhando força sobretudo com a merdificação acelerada de ambientes digitais, como o Twitter. Já são mais de 21 mil servidores e quase 9 milhões de contas, boa parte delas no Mastodon. A postura é punk na veia: “se não concorda com o sistema, faça um você mesmo.” Ao invés de uma rede global centralizada ditando as regras, temos uma profusão de pequenas comunidades digitais (as instâncias), sem mediação por algoritmos nem publicidade, que se integram entre si (a federação). No lugar de uma única aldeia global pós mcluhânica, temos milhares de ciberaldeias conectadas entre si. Milhares, mas não todas. O fediverso é e tende a ser fragmentado. Internets distintas que convivem, equilibrando a formação de laços locais (o local aqui pode ser literal, como instâncias de bairro, de cidades, de universidades, ou por interesse, como instâncias de esquerda/direita, LGBT, de geeks, torcedores do clube X etc).
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Miguel foi conduzido ao púlpito por uma salva de palmas protocolar. A camisa social estava grudada ao corpo, ensopada por baixo do paletó, a despeito do potente ar-condicionado que acolhia as centenas de pessoas de ciência e do mundo dos negócios dispostas pelo amplo auditório. O bolo de folhas A4 com o roteiro e dados da apresentação oscilaram até o apoio. Sem saber o que fazer com as mãos recém-libertas da papelada, agarrou a borda de acrílico para minimizar a trepidação involuntária dos dedos.
A música eletrônica alta, repetitiva e irritante cessou, recuando para os alto-falantes e deixando em seu lugar uma atmosfera pesada de expectativa, um silêncio denso entrecortado por tossidas esporádicas. Duas telas se acenderam na beira do tablado, com uma contagem regressiva marcando o tempo restante em sua apresentação. Um ponto de luz vermelha na câmera montada num braço mecânico indicava que a transmissão online daquela sessão do Congresso Mundial de Ciências e Inovação já havia começado. Na tela às costas de Miguel, uma tipologia elegante anunciava o título de seu trabalho: “Sobre o deenério, suas características e a inviabilidade circular“.
Pigarreou. Pegou o bolo de folhas e bateu-as contra o acrílico para nivelar as páginas. Captado pelo microfone, o gesto retumbou pelos alto-falantes. Deu boa noite, confirmou seu nome e instituição de pesquisa, imaginando que isso ajudaria as pessoas a descobrirem que estavam na sala errada e partissem. Ninguém se levantou. Lembrou de um conselho recebido há muitos anos, antes dos mestrados, doutorados e pós-doutorados, antes de todos os discursos de agradecimento em premiações internacionais de Ciências e Sustentabilidade: ao palestrar ou dar aulas, escolha alguns interlocutores na plateia e fale para eles, olhe em seus olhos, leia suas reações. Apresente para eles, converse com eles e tudo fluirá melhor.
(mais…)Lá no século passado, além de internautas, nós, humanos que usávamos a internet, também éramos conhecidos como websurfers… as pessoas “surfavam na internet”, numa analogia ao fato de irmos deslizando de um site para o outro seguindo ondas de hyperlinks. Levou uns 5 a 6 anos para que o oceano digital que estava se formando se caracterizasse como uma grande onda, com o hype contaminando imprensa, investidores e, sempre, os “espertalhões”. Foi a bolha pontocom que estourou em 2001.
A vida é em ciclos, os hypes também. A coisa de fato promete, suas expectativas são super-uber-exageradas, muita gente ganha dinheiro, mais gente ainda coloca dinheiro no negócio, ele implode, os malandros pulam do barco e os demais ficam a ver navios. É o jogo, infelizmente (mas não inevitavelmente, papo pra outro post).

Como no mar, às vezes as ondas se embaralham, o mar fica mexido, e aquela formação que prometia se esculhamba em espuma. O Metaverso foi uma dessas ondas atropeladas. Ele ainda pode retomar, com menos hype e mais conteúdo (no famoso “platô da produtividade” do Hype Cycle do Gartner Group). O atropelador? Ela, claro, a Inteligência Artificial, tema de 13 em cada 10 palestras, reuniões e conversas sobre negócios e/ou tecnologia.
O Hype é altíssimo, não sem total razão. Ao contrário do Metaverso, o impacto da IA será avassalador e disseminado, pro bem e pro mal. A razão? É claro que desconheço todas, bem como ignoro o que de fato vai acontecer no futuro, mas uma causa é clara: as pessoas.

Regra de ouro: não tire as pessoas da equação. Elas que pagam as contas e ligam os supercomputadores nas tomadas, em última instância. As pessoas, em geral, não estão sedentas por experiências virtuais em outro mundo. Mas quase ninguém vai desperdiçar a chance de poupar energia, ganhar uma dopamina extra, ficar mais inteligente e sagaz e fazer as coisas que faz melhor e mais rápido neste bom e velho planetinha mesmo. É biológico.
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