“Foi necessária a contribuição de todos nós para construir a Web que temos hoje. E precisaremos de todos para garantir seu futuro.” É assim que se apresenta o Contrato pela Web, iniciativa capitaneada pelo criador da WWW, Tim Berners-Lee, por meio da World Wide Web Foundation.
É a melhor forma de iniciar a conversa, pois traz de volta à discussão o fato, hoje pouco evidente, de que não foi a determinação isolada de mega-empreendedores que trouxe a internet até o que ela é hoje, foi nossa ação coletiva. Não tivesse se mostrado um ambiente coletivo e colaborativo ímpar na história humana, poucos empreendedores teriam se aventurado nesse terreno digital da forma que o fizeram. Sem nossas páginas no Geocities, sem os blogs, os álbuns do Flogão, as comunidades do Orkut, as convenções criadas espontaneamente por usuários de Twitter, como os RTs, sem a imensa variedade de coisas à venda nos eBays e Mercado Livres da vida, sem tudo isso não existiria um Facebook, um Google.
Mesmo que não tenha um único leitor, um livro continua sendo um livro. Uma edição de O Globo não depende do leitor para ter conteúdo, fotos, textos. Google e Facebook não existem sem seus usuários (e sem os terabytes de informações que eles fornecem a todo momento). O mesmo vale para qualquer rede social (que, sem nós, não é nem rede nem social) e para buscadores (que precisam ter o que buscar).
Nos acostumamos a nos apequenar, a abrir mão de nosso protagonismo. Esse manifesto, na forma de um conjunto de princípios e assinado como um contrato, define 9 ações que devem ser tomadas se quisermos que a internet continue (ou volte) a ser um espaço plural, saudável e democrático. E não é um abaixo-assinado para que alguém faça alguma coisa. É um documento com o qual todos podem (devem, eu diria) se comprometer. Há princípios para governos, para empresas e para nós, cidadãos. Todos podem e devem contribuir de alguma forma. Da mesma maneira, todos têm nas mãos o poder de terminar de estragar tudo, com consequências nefastas e distópicas.
Temos visto no mundo inteiro o incrível potencial de estrago que a Internet tem, sobretudo sobre o frágil sistema democrático. E com metade da população ainda desconectada, essa ferramenta de inclusão torna-se plataforma de exclusão.
Muitos já consideram a internet um serviço de utilidade pública e, como tal, garantir acesso universal e a preço justo — se não gratuito — é primordial. Depois, é preciso garantir ambiente saudável e com respeito à privacidade.
Por último, a chamada a ação combinada com um choque de realidade: a Web não vai se salvar numa canetada. Algumas das empresas que apoiam o Contrato pela Web desde seu lançamento são justamente algumas sobre as quais recaem mais questionamentos e denúncias, como Google e Facebook. Levará um tempo até recolocarmos a Web nos trilhos e nada aponta para um caminho linear e tranquilo. A luta pela liberdade, pela democracia e, agora, pela Web, não é pontual. É de constante vigilância.
Então, agora, mas também a cada postagem, a cada compartilhamento, a cada tentação para entrar numa treta, a cada “cancelamento”, pense duas vezes e lute pela Web.
Uns 10 anos atrás o cenário era bem diferente do atual. Boa parte de minha agenda era dedicada a dar palestras ou participar de debates sobre o impacto das redes sociais nos negócios, sobre como se preparar para este novo mercado de trabalho e a repercutir, na imprensa, reportagens sobre esse avassalador fenômeno.
Muito antes dos coaches quânticos, o momento era dos gurus de social media, dos Gerentes de Twitter e da blogosfera festiva. E de quem, como minha turma, na Frog, e em tantas outras agências e empresas dedicadas a este contexto, trabalhava duro tentando entender e explorar o admirável mundo novo que surgia.
Disciplinas, metodologias e processos foram criados por esses profissionais. Muitas evoluíram e tornaram-se, hoje, importantes ferramentas tanto de comunicação quanto de Pesquisa e Insights. Boa parte dos estagiários dessa era de ouro das redes sociais, quando tudo era mato, são hoje empreendedores, gerentes e executivos mundo afora.
Por que, então, um sentimento deprê em relação às mídias sociais?
O tempo virou, isso não dá para negar. As plataformas sociais saíram das páginas de Negócios e Tecnologia para as de Política e até de Polícia. Tememos — não sem razão — os efeitos nefastos da invasão/evasão de privacidade e manipulação de nossos sentimentos e comportamentos. Influenciadores estão na berlinda por documentar e promover modos de vida falsos e inatingíveis. A entrega real dos formatos digitais de mídia é questionada por conta de robôs e distorções nos números.
A bad vibe é inevitável. Poucas marcas conseguem preservar algum alcance orgânico significativo, e conforme as pessoas descobrem coisas mais úteis a se fazer do que comentar em postagens de empresas, a promessa de comunidades integrando marcas e seus fãs/consumidores num Woodstock corporativo se esvai tão rápido quanto os novos virais, cada vez mais efêmeros.
É importante entendermos o novo contexto e redescobrirmos nosso papel. O digital veio pra ficar. As redes sociais vieram pra ficar. Mas a verdade é que o mundo, a sociedade, nossos consumidores não precisam de mais uma marca fazendo piadinha. Não precisam de mais uma dica de como preparar o alimento X, Y ou Z.
O desafio de quem quer gerir a comunicação de uma marca é descobrir quais as oportunidades de conexão genuína com seus públicos de interesse. É escolher qual briga vale brigar, e em que lutas estamos apenas fomentando ruído num contexto de qualidade de informação cada vez menor. É descobrir como estar presente na vida do interlocutor na hora certa e na medida certa. Nem mais, nem menos.
E de encarar o cenário de forma ampla e sem paixonites. Se pensarmos no Hype Cycle do Gartner, quase todas as linguagens e ferramentas ligadas ao digital/social media podem ser posicionadas como que despencando ladeira abaixo rumo ao que o gráfico chama de “Vale da Desilusão”, que se sucede ao “Pico das Expectativas Exageradas”. Qual a boa notícia? Quem sobrevive a essa deprê está evoluindo na “ladeira da iluminação”, rumo ao sonhado “platô da produtividade”.
Como se imagina de qualquer platô, o “Platô da produtividade” é plano, chato. Mas é bem mais útil para se plantar soja, criar gado ou erguer-se uma cidade do que o pico de uma montanha. Picos garantem capas de revistas a seus conquistadores e plateias cheias nas palestras dos coachings de alpinistas, mas o que garante o ganha-pão de mais gente, por mais tempo, são os platôs.
Nada contra descobrir ou desbravar os novos picos. Sem picos hoje, não teremos platôs amanhã, mas também é hora da colheita, hora de se fazer todo o hype de anos atrás virar dinheiro, empregos, resultados. E benefícios sociais.
Hora de olhar menos pro trocadilho no Instagram e mais pra cadeia de negócios como um todo, par captação, nutrição e monetização de leads (do cara que realmente quer te comprar), pra extrair insights relevantes sobre o comportamento do consumidor, do cidadão. E para oferecer a eles conteúdos e ferramentas de fato relevantes, de fato memoráveis, de fato integrados com a história maior da marca e com o objetivo tangível do negócio. Hora de se contribuir com a qualidade dos meios digitais, não de se ampliar o ruído. (A criação de uma sociedade baseada em desinformação e vigilância não é um preço aceitável a se pagar por qualquer que seja o objetivo de marketing, mas isso é tema pra outro texto).
A história do platô é menos charmosa, e mais difícil de motivar os estagiários e jovens de hoje. Rende menos capas de revista e palestras estilo TED. Mas elas podem ser a diferença entre uma contabilidade azul ou vermelha. E entre se ter fôlego pra montanha de amanhã ou não.
Em junho de 2013, escrevi no Medium um breve texto sobre as passeatas que, então, tomavam as ruas das capitais. Foi meu texto de maior alcance na plataforma, escrito ainda sob o impacto da surpreendente mobilização e da percepção — estudada em ótica global por mentes como Manuel Castells e Zeynep Tufekci — de crescimento de uma nova massa dinâmica, amorfa e poderosa.
No calor do momento, interpretei errado alguns movimentos. Estimei demais outras nuances. Para mim, aquele era o momento em que a população meio que tomava as rédeas do debate público, em que nos tornávamos uma ameaça constante e imprevisível de repúdio e pressão efetiva na classe política, que já não mais agiria de forma tão deslocada do povo, da patuleia, dos “pagadores de impostos”.
Não tinha como imaginar que tudo descambaria rapidamente para patos gigantes, dancinhas ridículas, #lulaslivres e ao câncer das fake news. Meu texto falava em uma casa arrombada, que deixa ressabiado seu morador para todo o sempre. Aconteceu que o arrombamento foi no sistema democrático como um todo, hoje em total descrença por todas as partes envolvidas e, desde aquele junho, crescentemente polarizadas.
Seis anos, um impeachment e um forte golpe da direita conservadora depois, os protestos estudantis contra os cortes no orçamento em Educação remetem aos primeiros movimentos de 2013. Se vão vingar, não sabemos. Se a classe política atual, diferente em experiência, bases de poder, eleitorado e agendas dos políticos de então, se deixará abalar pelas ruas, só o tempo dirá. Me permito ser pessimista e imaginar que não, até porque a lógica das “verdades paralelas” permite desqualificar sumariamente todo discurso que venha dos “inimigos”, tornando impossível qualquer debate que de fato faça uma questão qualquer que seja evoluir. E isso vale para as duas polaridades em disputa.
Se balbúrdia é que os jovens sabem fazer, que a façam. Que a balbúrdia nos faça ouvir nossas mazelas. Nos façam ouvir que parte de nós, uma grande parte, não concorda com o que se tenta fazer com o país. Que a voz no poder não é, não pode ser, autoritária e nem conta com carta branca de uma grande maioria da população para fazer o que bem entende. Não conta. Nunca contou.
Ao contrário de 2013, os movimentos que ganham agora as ruas, e que poderão voltar a ocupar os espaços se a mobilização funcionar, possuem pauta mais específica, o que os diferem fortemente das massas de 2013, da Primavera Árabe e do Occupy Wall Street. Não é mais um movimento “contra tudo isso que está aí”, mas “contra esse governo que está aí”.
Ainda que a rua seja espaço de gritos de guerra, de bandeiras, qualquer movimento só colherá bons frutos se desapegar dos radicalismos de ambos os lados que rasgam o país (e o mundo, sejamos justos), desde o começo da década. Não dá, e nem queremos, voltar no tempo. A solução não é nem alugar o Brasil, como já ironizava Raul Seixas, nem PSTUlizar o continente. Deixarmos de lado esse programa governamental ideológico, idiota e destrutivo, sobretudo na política ambiental, já é grande passo. Nos permitir discutir juntos, projetos reais para o país e identificar pontos positivos e negativos em cada abordagem, mais ainda. Entender que se fez muita coisa errada no Brasil dos últimos 20 anos, e que corrupção e incompetência não são privilégios de uma ou outra corrente ideológica, necessário. Ter uma gestão que se baseie mais em dados do que em memes, uma conquista a ser celebrada por décadas.
Entre os teóricos da conspiração há sempre a pergunta de a quem serve a atual política entreguista e repleta de bombas de fumaça e de distração. Não há de se esquecer que entre incompetência e má-fé, é sempre mais provável que seja caso de incompetência. E não se deve subestimar o poder (destrutivo) de uma incompetência ideológica. Talvez nunca saibamos a quem, se alguém, serve a política atual. Mas sabemos que uma política de diálogo e projetos reais, baseados em dados, servirão a todos nós. E, para chegar lá, o primeiro passo é parar de demonizar a Educação. Nem que, para isso, seja preciso um pouco da balbúrdia e idealismo utópico dos jovens.
O texto abaixo estava dormente em meu Evernote desde novembro de 2017. Achei pertinente tirá-lo da gaveta em meio a tempos tão turbulentos e perigosos que estamos vivendo.
De forma declarada ou sutil, todos vemos o mundo com base em nossas convicções, que jamais são completamente baseadas em fatos, dados e evidências científicas. Albert Einstein, a despeito da então crescente descoberta de evidências que comprovavam que o submundo quântico, por ele mesmo descoberto, era real, recusou-se a embarcar na “moda quântica” por não acreditar que havia espaço para probabilidades e ações integradas no espaço que violassem leis até então “sagradas” da Física e que fosse contra sua visão de que, ao fim, tudo no universo deveria ser ordenado e previsível, como se construído por uma regra maior. Na falta de termo mais adequado, ele mesmo se referia à essa ordem superior como Deus.
Convicções são inerentes a nós, humanos. Expostos ao desconhecido, tratamos prontamente de especular sobre o que se trata. E abraçamos as explicações mais convenientes. Convicções também são um direito. Temos o direito de acreditar no que quisermos. E de vivermos nossas vidas com base nessas convicções, por mais estranhas que elas possam parecer a terceiros. Uma sociedade baseada em respeito deveria ser estruturada de forma que diferentes verdades, ou melhor, diferentes convicções pessoais pudessem conviver em harmonia.
Carl Sagan, grande defensor do ceticismo, encarava crenças como algo com que você precisa se comprometer. Aceitar um dogma, uma fé, uma convicção conveniente é ato de comprometimento. Você se predispõe a aceitar aquele código ou aquela imagem, a despeito das críticas e penalidades que pode sofrer. É, portanto, um ato essencialmente individual. Não posso forçar alguém a se comprometer. Quem gerencia equipe sabe que não se faz um funcionário “vestir a camisa da empresa” à força.
Religiões demandam esse compromisso. Você aceita a divindade e os códigos e dogmas associados a elas. De Fox Mulder que queria acreditar em vida alienígena, a todas as religiões. Em comum, a necessidade de escolher, aceitar e se comprometer a acreditar em algo que soará e será sentido como absolutamente real, profundo e eterno. Mas que, e isso não poderia ser negado mesmo pelos praticantes, carece de evidências científicas irrefutáveis. Religiões não são, para usar um termo científico, falsificáveis. Isto é, não conseguimos provar que uma determinada afirmação — por exemplo, Deus é eterno — é falsa. Nem que é verdadeira. Para além de exercícios retóricos e filosóficos, só temos duas opções: aceitar ou não.
Desta maneira, há sim uma possibilidade de que alguma das milhares de religiões esteja certa. Ou que todas. Ou que nenhuma. Simplesmente NÃO SABEMOS. E não há crime em não saber. Faz parte.
O conceito de pátria é muito similar à estrutura das religiões. É baseado em símbolos imutáveis, bandeira, brasões, cores, pressupõe um código de conduta e exige comprometimento. Deve-se respeitar a pátria. Servir. Não agir em lesa-pátria. Pensar diferente pode ser visto como trair a pátria.
Mas o que é pátria? Seria aquilo que nos define como povo? E o que seria o limite desse povo? Os brasileiros formamos uma pátria? Ou os cariocas? É nossa cultura, nosso jeito, nossa língua que definem o que somos como pátria? Cultura e língua são elementos mutantes, móveis, muito mais biológicos do que arqueológicos. Cultura e língua são elementos vivos. Eram diferentes no passado. Serão diferentes no futuro.
Como definir claramente o que é a pátria se ela é construída sobre conceitos fluidos? Como eu posso me comprometer, como poderia trair, como poderia servir algo que não é tangível?
Note: para as religiões, as divindades são tangíveis visto que são imutáveis e descritas, em imagens ou metáforas, em seus símbolos igualmente imutáveis. O que é a pátria? A camisa da Seleção? O Estado? Para servir à pátria, para defender a pátria, é preciso aceitar e escolher o que é a pátria. Comprometer-se com ela. Jurar a bandeira, um símbolo arbitrariamente definido de cores e formas que busca tangibilizar de forma imutável o que é fluido.
Yuval Noah Harari, que aborda e defende um ponto de vista igualmente cético em relação a muitos conceitos, propõe um exercício para identificarmos se agentes da História (ou de histórias) são reais ou construções culturais aceitas por nós. Escreve Yuval, em “21 lições para o século 21”, “Quando você tem diante de si uma grande história, e quer saber se é real ou imaginária, uma das questões-chave é se o herói é capaz de sofrer. Por exemplo, se alguém lhe contar a história da nação polonesa, reserve um momento para pensar se a Polônia é capaz de sofrer.” Conceitos não sofrem, não sangram, não passam fome. (*)
Por último, família. O fato de existir um modelo de família que é mais comum e tradicional — no sentido de formato longevo — implica imutabilidade? A família tradicional deve ter 5 filhos? Um casal? Necessariamente um primogênito homem? Um casal sem filhos feriria o molde imutável de família tradicional? Seguindo a mesma lógica, cabe a cada pessoa se comprometer com o modelo de família que acha mais saudável, feliz e “correto”. Não?
Quem define? Qual o Inmetro, qual o Instituto de Pesos e Medidas que define o que é Deus, Pátria e Família?
Se os três elementos são passíveis de interpretações pessoais, se os três dependem de uma aceitação e comprometimento individual e pessoal, como seria possível imaginar uma visão de sociedade, uma visão política, uma visão de mundo baseada na defesa incondicional de que o todo, de que a sociedade, siga um alinhamento a essas três esferas? Seria como construir uma casa sobre três alicerces móveis.
O problema não está em Deus, nem na família, nem na pátria. Todos somos livres para aceitar e vivenciar os deuses, as famílias e as pátrias que desejarmos. A junção perigosa dos três elementos como justificativa e defesa de modelos sociais, coletivos, faz com que o defensor dessa tríplice bandeira erga toda sua visão de mundo — e que, não raro, tenta-se impô-la aos demais — em cima de três pilares em que ele pode estar coberto de razão. Ou não.
Se eu jogo cara ou coroa com uma moeda, tenho 50% de chance de acertar. Se o fizer com três moedas ao mesmo tempo, a chance de acerto é muito menor. Como aceitar, então, que queiramos impor ao coletivo um compromisso que deveria ser pessoal e que tem probabilidade tão pequena de ser de fato o melhor para todos?
* O trecho do Harari foi incluído em outubro de 2018.
O jornalista Pedro Doria fez em sua série de artigos sobre história e sobre o momento político atual brasileiro uma das explanações mais lúcidas sobre o que de fato está acontecendo. Em resumo, o que testemunhamos não é um golpe, tampouco a vitória final sobre uma inédita e inusitada quadrilha de bandidos que violou o templo sagrado e imaculado de nossa democracia.
O que estamos presenciando é parte do jogo, seja no rito processual, seja nas bandalheiras que o provocaram. Em síntese, o desvio faz parte da norma-padrão da política brasileira. E às vezes ele dá errado para quem o pratica.
Não teremos “vencido a corrupção”, não teremos recolocado o país no rumo certo sem rever o sistema, sem rever o processo pelo qual pessoas chegam ao poder, e como elas o exercem.
Dia desses, Marcelo Tas destacou uma proposta que surgiu nos EUA, de substituir as eleições de representantes do povo por um sorteio. Os membros do legislativo seriam escolhidos aleatoriamente e, com isso, o grave problema de representatividade que aflige boa parte dos parlamentos do mundo se resolveria. Quanto ao nível de qualidade e preparação do legislador, pior não ficaria, como diz sua excelência Tiririca.
Publicidade controlada para álcool, tabaco e políticos
Penso se já não estamos prontos, como sociedade, para avançarmos no modelo político e, de fato, escolhermos nossos líderes e representantes por suas ideias e programas, e não pelo jingle.
Penso numa eleição sem propaganda política. Nesse modelo, ficariam proibidas todas as formas de campanha: sem horário na TV, sem vídeos, jingles, comícios, aperta-mão, depoimentos de artistas, nada.
Em paralelo, seria oferecida a todos os candidatos uma plataforma padrão: um site, padronizado, sem firulas, estilo Wikipedia, onde todas as legendas deveriam responder a um questionário padronizado (proposta para educação, o que acha do tema tal etc…). Os eleitores poderiam sugerir questões e votar nas mais relevantes, no modelo dos fóruns do Reddit. As perguntas com mais votos seriam replicadas e respondidas por todos os candidatos.
Além disso, os debates na TV aberta e no rádio seriam intensificados, permitindo o confronto direto de ideias e, com a combinação de internet + TV aberta + rádio, teremos a garantia de amplo alcance e inclusão dos brasileiros.
Por tratar a publicidade política como algo sério e sujeita a controle tal qual itens como álcool e tabaco, teríamos uma redução brutal de custos. Isso reduz a necessidade de se captar recursos (e o uso de caixa 2) além de igualar as janelas de visibilidade de nanicos e de tubarões, reduzindo o ímpeto de se criar legendas de aluguel, reduzindo o vício das coligações e dando espaço para a renovação política.
O modelo tem uma falha que ainda não consegui resolver: ele dá vantagem ao candidato da situação, pois este poderia contornar a lei fazendo campanhas por meio das estatais para vender seu peixe, como nos filmes da Caixa Econômica Federal, sendo veiculados agora, que falam do futuro do Minha Casa Minha Vida até 2018 (que, subtende-se, estariam em risco com a saída do PT do governo). Alguma ideia para resolver isso?
Praticamente todas as conversas que tive até agora citaram os efeitos de carregarmos os celulares conosco. Mas e quando são eles que nos carregam? A tecnologia embarcou de vez nos carros, cujos protótipos e sistemas agora são apresentados não em autódromos, mas em feiras de gadgets eletrônicos como a CES, em Las Vegas. O jornalista Henrique Koifman, apresentador do programa Oficina Motor, da Globosat, é apaixonado por carros e profundo entendedor de sua indústria e de suas rebimbocas. Foi a ele que recorri para para descobrir se essa união dos mundos da tecnologia e dos automóveis é uma carona ou uma colisão.
Do lado de quem luta para acompanhar o frenético mundo dos gadgets, como nosso convidado anterior, Carlos Alberto Teixeira, e de quem não saberia consertar o próprio carro caso ele desse alguma pane, a indústria automotiva vinha num processo evolutivo gradual até alguns anos, quando saiu dos cadernos especializados para entrar no radar do Vale do Silício e das empresas de tecnologia. Mas será que foi assim?
“Se formos estudar a história da indústria automobilística você vai ver uma curva exponencial no que diz respeito à tecnologia”, defende Koifman. “Se você comparar o motor atual, que é o coração do carro, com um motor de 1910, você verá que no que ele tem de básico, ele não mudou tanto assim. O que mudou foi a tecnologia, foi a inteligência de você administrar o que tem ali, para torná-lo mais eficiente. E nos últimos 10, 15 anos, a grande diferença foi a chegada da eletrônica para dentro do carro. E daí vem essa onda tecnológica mais clara, mais evidente. Até então o automóvel era uma máquina eminentemente analógica e passou a ter muita coisa digital.”
Carro 2.0
“A injeção eletrônica é algo que todo mundo percebeu que mudou no carro, porque de repente os carros pararam de enguiçar na rua. Nessa época de verão no Rio de Janeiro, você andava pela rua e via um monte de carro quebrado, isso não acontece mais. É um golaço tecnológico”, comemora. “Os defeitos bobinhos que faziam o carro parar, como afogamento por excesso de combustível, tudo isso acabou. Lembra de entupimento de giglê? O sujeito tinha que abrir o fusquinha, abrir a tampa e assoprar um negócio, era uma coisa quase homem das cavernas dos carros.”
A tecnologia também melhorou a segurança dos automóveis. “Controle de estabilidade, freio ABS, que é uma coisa mais antiga, airbag, todos esses acessórios de segurança estão ligados diretamente à tecnologia. Nenhum deles é tão novo assim, isso é curioso. O que a tecnologia fez foi tornar mais baratos e eficientes conceitos que já existiam.”
“Outra coisa que se aprimorou estupidamente com a tecnologia nos últimos anos é a eficiência energética dos automóveis. É algo maravilhoso. No Rio de Janeiro mesmo, a quantidade de fumaça que se tinha por causa de carros era uma coisa absurda. E olha que a gente não é ponta de lança em controle de emissões. Eu vou chutar, mas acho que hoje a gente tem 5%, 10% no máximo de emissões que a gente tinha 20 anos atrás.”
Tecnologias fumegantes
Henrique aponta a redução das emissões como uma grande vitória tecnológica. “Melhorou muito. O automóvel já não é mais o maior emissor de carbono e de poluentes nas cidades. Não é mais, já foi. Hoje em dia a Indústria já passou a liderar de novo. A injeção eletrônica, os catalisadores, a otimização dos recursos energéticos do carro, tudo isso melhorou muito.” Mas de qualquer maneira, por mais que sejam eficientes, são 47,9 milhões de automóveis (a frota brasileira em 2014) emitindo um pouco que seja de carbono e consumindo combustíveis fósseis. Não tem nada mais que a tecnologia possa fazer?
Tem. Os automóveis híbridos e elétricos. “Carros híbridos no Brasil não são uma realidade por uma questão meramente fiscal. Em Los Angeles (EUA), a impressão que se tem é que metade dos carros são híbridos ou elétricos. Não chega a tanto, mas é a impressão. Todos os táxis são. Toyota, Ford, Honda… todos tem modelos elétricos ou híbridos. A Nissan tem hoje o carro elétrico mais vendido do mundo que é o Nissan Leaf, que é um projeto que foi construído para ser elétrico. No Europa andei de táxi Prius adoidado. Não é uma questão somente de consciência ambiental, é que sai muito mais barato manter um carro desses.”
Mas não se um carro desses for vendido aqui a R$ 120 mil, que foi o preço de lançamento do Toyota Prius aqui. “Isso é totalmente fora da realidade, aqui é pra não vender. É pra mostrar que você é chique, antenado com as novas tecnologias, comprometido com o futuro. Mas não é um carro chique; o Prius, particularmente, é muito simples. É o carro híbrido mais antigo e mais bem sucedido, já tem mais de 10 anos de mercado. Mas eu, como amante de automóveis, não te diria que é um carro legal… não é um carraço,”
Carraço são os da Tesla, fabricante americana de modelos elétricos. “Além de ser elétrico, é um carro de luxo, com desempenho esportivo maravilhoso, tem autonomia sensacional. Custa muito caro (um modelo S completo sai por mais de US$ 130.000), mas o sujeito além de status está comprando desempenho, realmente algum conteúdo que justifique o preço. No caso do Prius é somente o charme da coisa e o comprometimento ambiental. Para se ter uma ideia, o que o fusca foi pro brasileiro até algumas décadas é o que o Prius é pro californiano hoje. Você não anda duas quadras sem ver um Prius.”
Meu carro tá sem bateria. Me empresta o seu?
Henrique devolve a bola do mundo dos carros para o dos celulares ao evocar o problema das baterias. Mais do que durabilidade, a questão é o que fazer com elas depois que perdem sua eficiência. “A autonomia do carro é uma questão secundária. Porque se você tem um carro com 100 quilômetros de autonomia, isso resolve 99% das suas necessidades. Você vai trabalhar, volta e bota o carro para carregar. Se você for viajar e o carro for hibrido, não tem problema, pois pode usar a gasolina para ir aonde quiser.”
“O problema é a vida útil da bateria, que dura 5 anos, com boa vontade, e depois disso precisa ser descartada. E ela é cara, custa de 1/3 a metade do preço do carro para trocar. E não são totalmente recicláveis. Você resolve uma coisa de curto prazo mas cria um abacaxi de médio prazo. Isso vai ser resolvido, acredito, mas é um problemão.”
Talvez os dilemas e benefícios das baterias seja o que une de forma mais intensa os dois mundos. Elas simbolizam bem um processo de mimetismo da indústria automobilística com a tecnológica. A Tesla está construindo uma gigantesca fábrica de baterias, o que atrai o interesse de diversas empresas de tecnologia, em especial da Apple, que foi cogitada como possível investidora na planta. Recentemente, a Forbes relatou que a fabricante de automóveis já contratou 150 profissionais da Maçã. Além disso, a Tesla apresenta seus carros em eventos muito mais parecidos com os keynotes de Apple e Google do que com os evento da velha Detroit. Seus produtos são softwares que andam.
Não se fazem mais clássicos como antigamente
Se importarmos tudo do mundo dos gadgets para os carros, importaremos também suas obsolescências programadas. Achamos normal um celular quebrar depois de dois anos de uso. Acharemos o mesmo de nossos veículos? “Pois é, essa é uma questão. Quem gosta de carro gosta de carro antigo. Quer ter o de último tipo, o mais possante, mais moderno, mas tem uma certa nostalgia, mesmo sem ter vivido, e gosta dos carros antigos. A gente fala muito de clássicos e de carros antigos no programa. E brincamos que os clássicos do futuro serão os mesmos de hoje, carros até os anos 70, como os carros antigos de coleção. Dos 1980, especialmente de 90 em diante, você não poderá ter. Você não consegue manter um carro desses por 20, 30 anos. Foram projetados para serem desmontados.”
“Você não terá como produzir um circuito eletrônico deles, quando caducarem. Com um torneiro mecânico você consegue produzir qualquer peça de um motor a explosão antigo, vide Cuba. Em Cuba tem carro dos anos 40, 50 rodando tranquilamente, cheios de gambiarras das mais malucas, os mecânicos lá são uns gênios, mas é perfeitamente possível manter um carro desses rodando para sempre. Mas os carros tecnológicos… os híbridos então, é impossível.”
Jarbas, leve-me pra casa
Além das baterias e motores elétricos, a atração da vez neste casamento entre tecnologia e automóveis é a automação da direção, em que o carro assume por você funções que você faria, sobretudo no campo da segurança e dos reflexos, como o carro do Google, mais presente no noticiário de tecnologia. Segundo Henrique, é a bola da vez na Europa, sobretudo, e nos EUA.
“A Volvo apresentou recentemente no Brasil um carro que anda sozinho e já está pronto. Você insere o endereço, começa a dirigir, tira as mãos do volante e ele vai sozinho. A Mercedes também tem. Na Europa tem toda uma padronização de sinalização de pista, de mapeamento das regiões, placas de rua e de velocidade, todas da mesma altura, cor, posição… E os carros autônomos dependem mais da leitura do asfalto e do ambiente do que do GPS. O GPS dá o ponto de chegada, mas o que faz ele não bater em nada, parar nos obstáculos, é a leitura do ambiente.” Para um carro andar sozinho, não basta saber o caminho entre o ponto A e o ponto B. Ele precisa saber se ali há uma esquina, que o meio fio tem tal altura, e que tem um bueiro etc etc etc.
Já temos várias coisas nesse sentido funcionando, nas ruas. “Dirigi carros especiais lá (na Europa) mas também carros comuns, como uma minivan chamada Sharan, que seria a sucessora de nossa Kombi. Um carro a diesel, para 7 pessoas, acabamento bacana. Parece carro de luxo. Estava dirigindo ela numa autobahn e notei que o volante estava me puxando para dentro da pista. O volante ficou duro, fazia uns movimentos esquisitos. Aí descobri que existe um sistema nesse carro que lê as linhas da pista e, caso esteja acionado, ele joga o carro para dentro da faixa. Não te deixa sair.”
“Outra coisa que tem em carros já vendidos, mas não fabricados no Brasil, é o ACC — Automatic Cruise Control. Você regula no sistema a distância que quer manter do carro da frente. Você ativa o piloto automático, ele vai acelerando por você na velocidade desejada. Quando você se aproximar de outro carro, ele vai desacelerar automaticamente para respeitar a distância definida por você — digamos, 25 metros. Quando o carro da frente sair, ele vai reacelerar até a velocidade que você definiu. Além de você descansar, esse sistema economiza combustível, pois ele será sempre mais preciso do que seu pé. Essa van chegava a fazer 20 Km por litro de diesel na estrada, a 150 km/h.”
Seremos todos passageiros?
Temos muitas coisas hoje, nas ruas. “Não é um grau de automação total, são coisas que estão lá para dar mais segurança. Você pode até desligar tudo isso se quiser.” Mas será que é só o começo? Que gradualmente cederemos completamente o controle até virarmos passageiros?
“Nunca dirigi um carro totalmente autônomo, deve ser esquisito, porque nós estamos acostumados com outra coisa. Para eu que adoro dirigir, a obrigatoriedade de não dirigir me assusta. Mas poder fazer isso de vez em quando, na estrada…”
Henrique acredita que a Europa largou na frente rumo a implantação em larga escala dos carros autônomos, por conta da padronização de placas e afins. “No Brasil vai demorar muito mais tempo, mais pela condição das estradas do que pela tecnologia em si. O problema é fazer os governos adotar isso como normas nas estradas, cidades, vias expressas.”
“Sobre ser compulsório ou não, vai variar muito. Nos EUA, onde se defende até o direito de ter uma bazuca em casa, acho que nunca vai ser compulsório. Mas em certos países da Europa vejo isso tranquilamente. Algumas zonas das cidades serem de tráfego obrigatório no piloto automático.”
Anotem a placa daquela tecnologia
A indústria também foi atropelada pela tecnologia e vive o conflito entre saltar no desconhecido ou manter as tradições e processos. A Ford buscou a confiança da marca Microsoft para seus sistemas de navegação e se arrependeu, fazendo uma recente troca pela Blackberry que, quem diria, se mostra forte nome no mercado da internet sobre rodas. A Tesla vem sofrendo ataques nos EUA por vender direto ao consumidor, sem concessionárias.
Henrique vê sinais de mudança na indústria, mas não sem tensões. “Nos EUA, a venda de automóveis é muito peculiar, com uma cultura corporativista muito forte. No Brasil, no início dos anos 90, a Fiat tentou vender carros pela internet, acho que era o Uno Mille. Não deixaram. Não porque era errado ou ruim, mas porque era bom demais. Mas iria provocar uma mudança tão radical e rápida que consideraram nocivo.”
O fim dos populares
Koifman encerra com um vaticínio: “Acho que o carro popular como a gente conhece hoje vai sumir, em até 15 anos. Os meios de transporte de massa têm que suprir essa demanda. É inviável que cada pessoa no mundo tenha um carrinho, poluidor, que ocupa espaço”, aposta. “Quem tem dinheiro vai ter um carro bacana para poder viajar, curtir no final de semana. Ter carro vai ser como era no começo, uma coisa chique. No começo os carros eram feitos um a um, você comprava um chassi na Bugatti, na Rolls Royce e levava para um carroceiro, um estilista, fazer uma super carroceria para você. Acho que gente vai reverter a isso. É claro que o 1-para-1 não vai ser como naquela época, feito à mão.”
“O futuro da tecnologia do automóvel vai transformá-lo numa coisa de luxo de novo”. Vamos ter menos poluição, mas teremos mais motoristas de domingo. “Mas os motoristas de domingo terão caros autônomos para não deixar eles fazerem besteira”. Então tá resolvido.
Pedro sacou seu smartphone, procurou no Google por uma foto bacana para o Dia Internacional da Mulher — alguma com flores, colorida. Abriu o Twitter, postou a foto e caprichou no post. Acabou saindo algo como “Sem as mulheres não haveriam os homens! Parabéns a quem deixa o mundo mais belo”. Assim, isoladamente, é apenas mais uma pessoa sem inspiração. Mas profissionais como Raquel Recuero, jornalista, professora e pesquisadora da Universidade Católica de Pelotas, visualizam um quadro muito mais amplo e rico.
Raquel é um dos expoentes no Brasil de um ofício recente, o estudo do discurso, do conteúdo e das conexões nas redes sociais. Ela e sua equipe atuam como um observatório de conversações, analisando o fluxo das informações, de influência e de poder no meio digital. Foi o que ela fez no último Dia Internacional da Mulher, estudando postagens sobre o tema no Twitter, em todo o mundo, em vários idiomas. “O termo que mais aparece junto à mulher, e em igual importância, é ‘homem’. E os adjetivos empregados com relação à mulher eram todos ligados à beleza. E isso em todos os idiomas. Esperávamos resultados diferentes entre culturas e idiomas distintos, mas todos se comportaram da mesma maneira”, observa.
Descobrir o que isso significa, como isso espelha conceitos e preconceitos da sociedade, se denota o surgimento de novos atores ou de mudanças no tecido da sociedade… esse é o trabalho que se torna possível com a profusão das redes sociais e sua memória infinita. Todas as pessoas que utilizam o meio digital deixam rastros. Alguns são visíveis apenas aos administradores das ferramentas que usam — nossos rastros são o pagamento pelos serviços gratuitos. Outros podem ser captados e aplicados para o olhar científico. O mundo inteiro se torna um gigantesco “focus group”, a técnica tradicionalmente utilizada para se extrair insights de comportamento e percepção do público.
A voz das redes é a voz de Deus?
A disciplina não é isenta de críticas ou questionamentos. A mais incisiva é sobre sua real representatividade. Na visão de Raquel — e eu concordo com esse olhar — tudo depende de fazermos as perguntas corretas. “A internet não é representativa de toda a sociedade, não é de nenhuma. Mas há grupos minoritários que estão presentes. Em termos de esfera pública, ela representa muito. Muitos dos discursos que reverberam na sociedade também reverberam na internet. Dependendo da classe social e do público que se quer estudar, eles estão sim representados na internet.”
Recuero cita, como exemplo, os protestos de 2013. “As pessoas usaram ativamente as redes sociais para narrar os protestos. Se nem todos usaram, uma grande quantidade de pessoas recorreu às mídias sociais. Então os dados que estão lá são úteis para se entender esses protestos”, explica.
Se há grupos mais ou menos representados na internet, isso vale também para seus líderes, seus influenciadores. “Em termos de movimentos sociais, temos observado que a internet tem uma influência muito grande e que os influenciadores são pessoas que já tem caráter ativista, que já possuem redes de replicadores, que já tem condições para divulgação eficiente”, relata.
Tecido social ou retalho social?
Influência passada não é garantia de influência futura. Especialmente porque o tecido social é dinâmico e instável. E, desde 2014, vem se rasgando. “A gente viu durante as eleições uma radicalização maior nas posições, uma oposição de ideias muito grande. Isso gera ruptura na rede. Como as pessoas foram muito agressivas quando colocaram suas opiniões, quem antes seguia conhecidos com opiniões diferentes, desfez os laços.”
A raiz do problema está na própria rede social, e em uma carência coletiva de bom senso. As pessoas tendem a se aproximar de outras com quem elas concordem, buscam uma afinidade intelectual. Nas conversações cotidianas, elas escolhem os tópicos onde há concordância. “Não vou falar sobre Aécio com um sujeito que é Dilma e vice-versa”, exemplifica. “Só que na conversação convencional, quando falamos assuntos delicados, vamos observando a reação do outro, e é nessa observação que vamos modulando o que dizemos.”
A mídia social provoca dois fenômenos que mudam a regra do jogo social:
A aproximação de grupos que são diferentes, de grupos que normalmente não convivem nos mesmos espaços, que não concordam com as mesmas coisas. Estamos muito mais conectados digitalmente do que na vida offline.
Ao mesmo tempo, a gente interage com uma tela, não vemos o interlocutor. Falamos no Facebook para uma audiência imaginária, e essa audiência invisível é muito imaginada como uma audiência que é majoritariamente concordante.
“O que acontece quando estou falando com essa audiência imaginária é que eu tendo a ser muito mais incisivo e muitas vezes mais agressivo com o discordante, só que não é assim. A audiência invisível tem muita gente que é discordante”, explica. “As eleições foram 51% a 49%. Estatisticamente, a chance é a de que metade dos meus amigos no Facebook não concordem comigo. E as pessoas não se dão conta disso, elas imaginam aquela audiência concordante e se comportam como se estivem na mesa de bar só com os amigos”.
Não é difícil prever que isso não vai terminar bem. “Temos visto esse conflito nas relações, e isso parece estar silenciando as pessoas, que se calam para evitar o atrito. E isso é ruim, é antidemocrático. Faz com que a gente se feche em guetos de opinião onde todos concordem e ninguém discorde. É a espiral do silêncio”, alerta.
A espiral do silêncio
A espiral do silêncio, provocada pelos conflitos com as pessoas discordantes está ligada ao “efeito bolha”, onde ao jogo social de exclusão dos discordantes se somam os algoritmos, que nos oferecem cada vez mais apenas aqueles conteúdos com que interagimos mais. Passamos a ter contato somente com os autores e conteúdos que concordam conosco, e nos fechamos em pequenas seitas virtuais.
Na conversa com Raquel, noto que a reclusão nos guetos digitais pode não ser somente para evitar o conflito, mas para buscar o aplauso, na construção de uma claquete concordante que nos inundará de likes e RTs por mais que estejamos falando uma bobagem. “Essa busca pela claquete reduz sua esfera de influência, porque vai formando guetos de pessoas que pensam igual e que não falam com outros guetos. Isso vai separando a rede. E dificulta a formação de opinião, de influência, de tudo”. Os guetos são uma ameaça à rede. E como vimos nas conversas com Carlos Nepomuceno, a mentalidade fundamentalista — necessariamente consolidada em guetos ideológicos — é uma ameaça à sociedade como um todo.
A verdade é que ninguém é uma pessoa só, consistente, monolítica e tediosa. Temos nossos interesses, nossos momentos. E uma parte de nós que faz eco com um grupo, pode soar totalmente estranho ou inadequado para outro. Em que sentido a necessidade de representar todos os “eus” em um único perfil não contribui como estopim dos conflitos ou da busca por micro-redes isoladas?
“Isso tem acontecido. Sobretudo nos mais jovens, há uma tendência a se separar esses espaços. Facebook é o lugar X, Whatsapp o espaço Y… ter uma rede social social, uma profissional, uma pra família. É muito difícil interagir numa rede única. Esse colapso dos contextos em um mesmo espaço é ruim, incômodo. Os adolescentes vivem isso há um tempo”, aponta.
A Grande Muralha do Eu
Mas a fragmentação da rede não é o maior problema dos cientistas de dados e analistas de comportamento e conversações online. “Lidar com os dados é extremamente complicado, sobretudo pelos desafios éticos, mas também pelas camadas de privacidade nas ferramentas que vão fechando as pessoas”, desabafa.
Quando o Twitter era a plataforma reinante, predominava sua natureza aberta — hoje é possível vasculhar praticamente todas as bilhões de postagens na ferramenta desde sua criação, em 2006. Com a explosão do Facebook, a regra do jogo mudou. As pessoas — para fugir de trolls e dos conflitos desnecessários com seus amigos — começam a aprender a restringir os alcances de suas publicações e a definir regras mais rígidas de privacidade. E o Facebook, como empresa, não se mostra disposto a compartilhar seu grande tesouro, que é o conhecimento íntimo de cada usuário.
“Vejo as pessoas fechando mais e mais seus grupos, a queda imensa do conteúdo vindo de fanpages, de grupos. A circulação da informação no Facebook está muito dificultada, cada vez mais nichada, e com menos informação circulando. No Twitter é muito mais aberta. Então, se ela quer uma informação, ela vai pro Twitter, não vai pro Facebook.”
O grupo de pesquisas Pew Research Center publicou um artigo onde compartilha as gambiarras a que teve que recorrer para conseguir utilizar o Facebook de maneira satisfatória em uma pesquisa.
“Gosto muito do Twitter como ferramenta, uso bastante. Ele realmente não é representativo da sociedade geral, mas é representativo de outras coisas. A mídia está lá. Existem movimentos que começam no Twitter e vão para outros lugares. Agora, se estou querendo estudar meme, talvez tenha que voltar ao Tumblr ou ao Reddit, onde ainda nascem os memes”, exemplifica Raquel. “Então não é um lugar único, é um ecossistema de coisas que representam a mídia social hoje. E esse ecossistema é que precisa ser entendido, como essas coisas se relacionam. As pessoas não estão só no Facebook, elas estão em outras ferramentas também.”
E esse ecossistema influi a boa e velha grande mídia, os veículos offline. “Acompanhamos os candidatos nos debates. Nos primeiros encontros, em que surgem as figuras de Luciana Genro, Eduardo Jorge e até mesmo do Levy Fidelix, eles passaram a ser falados nas redes sociais não apenas durante os debates, mas isso se sustentou depois.” A TV alimenta as redes sociais que vão realimentar a TV.
E o que a TV vai falar disso tudo daqui há alguns anos? O que as redes sociais fizeram com nossas relações, nossas conversações? “Mudou profundamente nossa forma de se comunicar, nossas relações. Somos muito mais biográficos e narrativos. As pessoas narram suas existências por meio de imagens. As fotografias que eram tão simbólicas, raras, únicas, se tornaram descartáveis. É uma modificação muito grande. Por outro lado, as pessoas tem sofrido as consequências dessas narrativas, sobretudo os jovens.”
A internet não esquece
Um passo em falso nessa autobiografia em tempo real e você pode cair num furacão de cyberbullying ou se colocar em uma encrenca. Afinal, a internet não perdoa. “E a internet não esquece, tem essa potência de memória, uma memória coletiva.” Se as ferramentas não se fecharem elas próprias em guetos, como o próprio Facebook se comporta, teremos um retrato rico e inédito dos diálogos e sentimentos cotidianos de populações inteiras para serem estudados em sua evolução ao longo dos anos, dos dias, dos meses ou dos minutos decisivos de um jogo de futebol.
Não temos mais conversações. Temos discursos, temos biografias, temos registros, temos dados. Ler tudo isso é a chave para se entender, com uma intimidade nunca imaginada, o coração de nossas sociedades.
Nesta segunda parte da conversa com Carlos Nepomuceno, jornalista, professor e pesquisador, vamos discutir as contradições das gigantes da internet que criam plataformas descentralizadoras mas são centralizadoras de capital, nossa maturidade como cidadãos dessa nova sociedade e prever o que pode dar errado e o que já está dando errado.
Para começar, uma dúvida. Se temos ferramentas tão poderosas que mudam nossos cérebros e nossa sociedade, por que não sabemos usá-las direito (dedique um tempo a ler comentários de portais de notícias) e por que as empresas por trás das plataformas revolucionárias são supergigantes controladoras e monopolizadoras?
“No passado, quando chegou o impresso, as pessoas eram analfabetas. Igreja e monarquias eram os poderes absolutos. As pessoas não tinham autonomia de pensamento. Precisamos iniciar um ciclo de autonomia de pensamento. Nós realmente não estamos prontos, pois somos filhos da baixa autonomia de pensamento do século passado. Não fomos educados para pensar com a própria cabeça. Temos que construir um novo modelo de autonomia, para que em duas, três, quatro gerações possamos ter um novo modelo de empresas, de instituições. Vai demorar, mas tem que começar em algum ponto.”
Contradição ponto com
“Quanto às empresas, eu concordo. Se você pegar Facebook, Google etc, você tem uma concentração, e isso é contraditório. Você tem redes descentralizadas com capital centralizado. Mas tem uma crise embutida nisso aí.” Nepô cita os questionamentos que produtores de vídeos fazem ao Youtube, sobre uma possivelmente desigual divisão da receita. “Teremos um movimento das pessoas que participam dessas redes contra essas estruturas centralizadas. Veremos surgirem mais plataformas com promessa de distribuir melhor o capital. E brigas pela democratização dos algoritmos. Você não controla o algoritmo do Facebook, e as pessoas vão querer controlá-lo.”
Quando chegarmos a um modelo de redes mais participativas, incluindo a participação nas receitas, teremos um contexto de colaboracionismo, que é uma evolução do capitalismo/empresismo. “Ainda não vejo isso acontecendo, mas há sinais da crise. Teremos um conflito entre o modelo de governança do capital e da necessidade das pessoas de mais participação. Eles são incompatíveis e teremos que colocar isso na mesa.”
E o que pode dar errado?
Infelizmente, já está dando. Nepô aponta alguns sintomas da revolução cognitiva que surge do medo do desconhecido, do novo. “Temos a volta do fundamentalismo. No Brasil, na América Latina, no Oriente Médio. As pessoas querem voltar ao passado, para seus mundos primitivos. É um problema sério, grave. Em vez de enfrentar a complexidade e inventar o colaboracionismo, que é a evolução do capitalismo, as pessoas querem resgatar o passado. É o que se vê na Venezuela, por exemplo. Ao invés de se introduzir tecnologias, se introduz mais controle.”
A volta ao passado, defende Nepomuceno, é um apelo tentador, de fácil marketing. O que podemos ver como a oportunidade de melhorar, de introduzir a democracia digital e a colaboração, outros enxergam como a chance de viajar no tempo. “O neopopulismo marxista atrasado da América Latina centraliza informações, redes e isso só vai aumentar as crises.”
Pergunto se a nova “guerra de classes” seria entre um mundo do capital, que tende a se concentrar e o mundo das ideias, que tendem a serem disseminadas e compartilhadas. Nepô propõe uma batalha diferente, entre dois tipos distintos de fundamentalismo e a tecnoeconomia:
Fundamentalismo do passado: contradições fortes, crises, e um discurso de fácil aceitação;
Fundamentalismo do presente: acredita que está tudo bem, que o sistema atual é o melhor. “É até preferível que o fundamentalismo do passado, pelo menos é mais perto do futuro”, diz.
Tecnoeconomia: que vai tentar resolver os problemas das crises usando as novas alternativas que surgem.
Como exemplo ele se lembra dos projetos de empréstimos P2P, onde “vizinho empresta dinheiro para vizinhos”, que foi proibido pelo Banco Central. “Os fundamentalistas não defendem esses caras.”
Não adianta acelerar o futuro
“Só vamos acabar com a concentração por meio das novas tecnologias. mas isso é complicado, exige uma capacidade e entendimento das coisas mais sofisticada. E não adianta acelerar o futuro. Você precisa ter uma semente bem plantada no presente, não adianta fazer gambiarra.” Nisso eu me lembro de uma frase que um cliente gostava de dizer: “Vista-me com calma porque estou com pressa.” E me reconheço, apressado que sou. As ferramentas brotam a cada dia, startups valem bilhões de dólares em menos de um ano. Tecnófilos que somos — no sentido de amantes e estudiosos das tecnologias — entramos todos em rotação acelerada e realmente é preciso muita reflexão e calma para ver, ou ao menos intuir, uma série de rupturas, de mudanças, de novas pontes a cruzar e aceitar que o processo que estamos vendo nascer só pode estar maduro em 50, 100, 200 anos. Que não viveremos para ver em que bicho tudo isso deu.
“A proposta politica e econômica precisa ser plantada agora, para que possamos ajudar as novas gerações a trabalhar e melhorar essas mudas que plantamos. Não podemos ser nem impotentes nem onipotentes. Precisamos ser potentes. E seremos potentes plantando nossas sementes, disseminando as ideias. Não é fácil, não é rápido, mas precisamos trabalhar nessa construção.”
Se você quer fazer parte dos livros de história do futuro, a hora é essa. Pronto para semear?
Gosto de ler coisagrafias, biografias não de pessoas, mas de coisas ou de ideias. Entender como elas surgiram, que desafios seus criadores enfrentaram para tirá-las do papel. E raramente as coisas surgem em momentos mágicos, gritos de eureka e maçãs caindo na cabeça. Pelo contrário. São construídas pouco a pouco primeiro por teorias que se completam e que se concebem a partir de outras teorias e de invenções que ganham forma a partir de outras invenções.
Esse é um tema recorrente de Os Inovadores — uma biografia da revolução digital, de Walter Isaacson (Ed. Companhia das Letras), que estou lendo e que merece uma resenha em um próximo texto. Depois de biografar um gênio “solitário”, Steve Jobs, ele resolveu pôr no papel um antigo projeto de revelar todos os gênios e não-gênios responsáveis por cada degrau na revolução tecnológica.
Em paralelo, estou vendo a série Cosmos na Netflix. Num dos episódios, Neil deGrasse Tyson, conta a história de Joseph von Fraunhofer que era um jovem órfão explorado por um fabricante de espelhos até que, em 1801, sua casa literalmente caiu. O futuro rei da Bavária o conheceu no lugar do acidente, resolveu dar uma forcinha e o resgatou de uma vida de trabalhos forçados e semianalfabetismo para trabalhar com lentes e apetrechos ópticos. Anos depois ele se tornou o papa das lentes, inovando e revolucionando, inventando aparelhos importantíssimos para a ciência e unindo finalmente os campos da física e da astronomia. Enfim, um sujeito fundamental para a humanidade, a ponto de ganhar um instituto de pesquisa com seu nome, o Fraunhofer, na Alemanha.
Confesso minha ignorância científica. Conhecia o nome Fraunhofer não pelo cientista que criou o espectroscópio, mas pelo instituto que criou a tecnologia MP3. Sim. O MP3 foi criado na Alemanha, por cientistas do Fraunhofer Institute for Integrated Circuits (IIS).
Então olha como a vida/o mundo/ a ciência é uma coisa linda:
Um garoto fica órfão e é adotado por um camarada que o explora.
Em 1801, a casa do camarada desmorona e, ao ser resgatado dos escombros, o garoto cai nas graças do futuro rei de seu país.
O rei dá uma ajudinha e coloca pra trabalhar em um local mais seguro.
O garoto cresce e vira o sinistro das galáxias em lentes, espelhos e afins.
O ex-garoto fica tão, tão sinistro que entra pra história e um instituto de pesquisas é criado a partir de seu legado/ influência.
Esse instituto de pesquisas cria o MP3.
O MP3 revoluciona o mundo da música, quebra gravadoras e dá a Steve Jobs a ideia de criar o iPod e a venda digital de música via iTunes (aqui a história deixa Cosmos e passa para Os Inovadores).
O iPod é um sucesso, muda comportamento das pessoas e logo evolui para o iPhone e a era dos smartphones (antes que eu receba pedradas, o iPhone não foi o primeiro smartphone, mas blackberries e nokias rodando Symbian nunca nos trariam sozinhos ao contexto que temos hoje).
Os smartphones revolucionam tudo, aplicativos surgem, negócios surgem, namoros surgem (e acabam). Google Maps, Uber, aplicativos de táxis, mobile banking, Tinder, Instagram, Spotify etc etc etc etc.
Hoje vi, no meu smartphone, via Netflix, um episódio de Cosmos que contava a história de Fraunhofer. Outras pessoas também estão vendo, e podem se inspirar a correr atrás da resposta aos mistérios da ciência ainda sem solução. E o ciclo se fecha.
As ações de hoje geram impactos, ondas, nas gerações futuras. O que fazemos aqui ecoa pela eternidade, como diria o general Maximus Decimus Meridius. Ao salvar um órfão, o então príncipe da Bavária ajudou a criar o que é a Apple de hoje, a revolucionar o mundo da música e da tecnologia. Isso sem contar na criação da astrofísica e de boa parte do que sabemos hoje sobre a luz e sobre o cosmos. E de sua aplicação científica direta em processadores, computadores, chips e fibras ópticas. É o efeito borboleta em escala científica.
E mais uma prova de que cada tijolo que você puder colocar em uma construção conta. E quanto mais gente colocando tijolos, melhor. E que nada é isolado e qualquer um ou qualquer conhecimento pode contribuir com outro. Quando menos esperarmos vamos nos deparar com uma catedral enorme. Ou pelo menos um fascinante retângulo preto que toca música, tira fotos e exibe conteúdo.
Memórias e aprendizado. Uma homenagem ao primeiro jornal brasileiro via internet
Nos meus primeiros meses no JB Online, em 1996, trabalhei de graça. Ainda estava na faculdade e fui apelidado, pelo Daniel Deivisson e pelo Roberto Ferreira, então redator e subeditor do primeiro jornal brasileiro na internet, de “estagiário informal”.
Eu achava aquilo ótimo. Só estar dentro do fantástico e mítico prédio da Avenida Brasil, 500 (hoje abandonado e depredado), caminhar por entre aquelas baias cheirando a mofo, furos de reportagem e neurônios brilhantes fritos por quase 300 pessoas em noites de fechamento e pescoção; só fazer parte do pioneiro jornal em um momento em que ele não era mais do que uma mambembe boa intenção; fazer parte daquilo que eu rapidamente descobri que seria o futuro, ao menos o meu. Só (tudo) isso já fazia valer a pena os perrengues por que passei. E o amor que aprendi a ter pelo Jornal do Brasil.
Naquela época, a infra-estrutura do JB Online se limitava a um surrado PC 386 (muitos de vocês nem eram nascidos quando 286s, 386s e poderosos 486 DX-2 66 dominavam o mercado). O site era cuidado por seu irrequieto criador, Sérgio Charlab, com quem tive pouquíssimo contato. Duvido que ele se lembre daquele estagiário informal cabeludo e cheio de brilho nos olhos.
O computador ficava no corredor. Isso mesmo. Nem sala o Online tinha. Sua atualização se dividia entre o turno noturno, que colocava o jornal propriamente dito no ar, e o incrível Extra!, que depois rebatizamos como “Tempo Real”.
A importância do café para a internet brasileira
Foi então que descobri a grande importância da indústria cafeeira para o desenvolvimento da internet brasileira. O velho 386 onde montávamos o JB Online no bloco de notas do Windows ou num editor de HTML furreca chamado HTMLWriter não tinha acesso ao sistema editorial da redação, que é de onde puxávamos as notícias obtidas por escuta, vindas de agências internacionais ou produzidas por nossos colegas de Agência JB.
É aí que entra o café. Como estagiário informal, uma de minhas atribuições era esperar algum jornalista se levantar para o inevitável cafezinho, correr, sentar em seu terminal de fósforo verde e jogar o maior número possível de notícias para um ambiente ao qual o bravo 386 tivesse acesso. Tudo isso antes do café do cara acabar.
Uma gincana. Entre um café e outro atualizávamos essa cobertura, nos primeiros dias do JB Online.
Depois as coisas foram melhorando, fui contratado, e os problemas ficaram ainda mais divertidos. Fizemos um concurso entre designers para reformular o site todo. O vencedor foi Carlos Benigno, profissional que acabou nos acompanhando por longos anos, dentro e fora do JB. Muito do que nós criamos entre 1996 e 1997 ainda está no ar. De resquícios da arquitetura de informação, a seções e alguns lay-outs.
A guerra do tempo real
Quando surgiu o Globo On, a grande diversão era descobrir quem colocava mais rápido as notícias no ar. E a briga era tão feia que tínhamos quase certeza que nossos “concorrentes” roubavam no horário. Isto é, publicavam às 17h uma notícia com hora de 16h30, e por aí vai. A briga não tinha limite, e nos levou a publicar notícias esdrúxulas como: “Caixão com Lady Di acaba de entrar na sepultura” ou “Fiéis choram no cortejo de Madre Teresa de Calcutá”. O Globo ainda dava uns informes de clima do tipo: “Tempo no Rio continua bom”. Muito divertido.
Outra loucura: na virada de 96 para 97 decidimos que era hora de mostrar a todo mundo que a internet não era habitada por seres verdes, feios e com longas antenas. Ora, nós não tínhamos antenas! Montamos então uma operação de guerra chamada “Caia na Rede neste verão”.
Esses homens fantásticos e suas webcams voadoras
A IBM cedeu alguns computadores e a Brasoft mandou uns jogos que, mesmo pra época, eram bem ruins. Mas era o que se tinha. Montamos então um cibercafé itinerante, que apresentou a internet e o JB Online para veranistas em diversos pontos do estado do Rio. Armamos o circo no hotel Marina Palace, no Leblon, em Búzios, em Angra dos Reis e em outros pontos do litoral. Em todos eles, outro bravo pioneiro, Marcelo Botelho, do Live in Rio, transmitia a 9.600 bps com seu celular analógico fotos tiradas com uma webcam. Lembre-se que celulares, mesmo analógicos, eram raríssimos. Coisa fina. E foram as primeiras transmissões ao vivo via internet, que incluíram um pulo de bungee jump e culminaram com uma cobertura em tempo real do reveillon de Copacabana, do alto de uma cobertura e com o notebook protegido da chuva por uns quatro guarda-chuvas amarrados uns aos outros.
Era uma internet bem diferente da que temos hoje. Mambembe, artesanal. Tão cheia de sangue, suor e neurônios como as baias desgastadas da Redação da Avenida Brasil 500. Mesmo que, no futuro, não haja mais um JB Online ou uma internet, como já não existe o prédio da Av. Brasil, há um brilho e uma contribuição que o tempo jamais apagará.
Enquanto estive no jornal, fui jornalista, editor, colunista, webdesigner, programador, webmaster e até comercial. Chegamos ao ponto de irmos a um cliente, vendermos o banner, criarmos a peça e aferirmos os resultados. Nestas horas, era comum o cliente dizer: “Adorei o banner. Mas será que posso fazer a pessoa clicar nele e ir pro meu site?”
Tudo estava apenas começando. Se pensarmos bem, ainda está. Feliz 10 anos, JB Online!