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A voz da balbúrdia

Written by

Roberto Cassano
Foto retirada do Twitter de Marina Silva.

Em junho de 2013, escrevi no Medium um breve texto sobre as passeatas que, então, tomavam as ruas das capitais. Foi meu texto de maior alcance na plataforma, escrito ainda sob o impacto da surpreendente mobilização e da percepção — estudada em ótica global por mentes como Manuel Castells e Zeynep Tufekci — de crescimento de uma nova massa dinâmica, amorfa e poderosa.

No calor do momento, interpretei errado alguns movimentos. Estimei demais outras nuances. Para mim, aquele era o momento em que a população meio que tomava as rédeas do debate público, em que nos tornávamos uma ameaça constante e imprevisível de repúdio e pressão efetiva na classe política, que já não mais agiria de forma tão deslocada do povo, da patuleia, dos “pagadores de impostos”.

Não tinha como imaginar que tudo descambaria rapidamente para patos gigantes, dancinhas ridículas, #lulaslivres e ao câncer das fake news. Meu texto falava em uma casa arrombada, que deixa ressabiado seu morador para todo o sempre. Aconteceu que o arrombamento foi no sistema democrático como um todo, hoje em total descrença por todas as partes envolvidas e, desde aquele junho, crescentemente polarizadas.

Seis anos, um impeachment e um forte golpe da direita conservadora depois, os protestos estudantis contra os cortes no orçamento em Educação remetem aos primeiros movimentos de 2013. Se vão vingar, não sabemos. Se a classe política atual, diferente em experiência, bases de poder, eleitorado e agendas dos políticos de então, se deixará abalar pelas ruas, só o tempo dirá. Me permito ser pessimista e imaginar que não, até porque a lógica das “verdades paralelas” permite desqualificar sumariamente todo discurso que venha dos “inimigos”, tornando impossível qualquer debate que de fato faça uma questão qualquer que seja evoluir. E isso vale para as duas polaridades em disputa.

Se balbúrdia é que os jovens sabem fazer, que a façam. Que a balbúrdia nos faça ouvir nossas mazelas. Nos façam ouvir que parte de nós, uma grande parte, não concorda com o que se tenta fazer com o país. Que a voz no poder não é, não pode ser, autoritária e nem conta com carta branca de uma grande maioria da população para fazer o que bem entende. Não conta. Nunca contou.

Ao contrário de 2013, os movimentos que ganham agora as ruas, e que poderão voltar a ocupar os espaços se a mobilização funcionar, possuem pauta mais específica, o que os diferem fortemente das massas de 2013, da Primavera Árabe e do Occupy Wall Street. Não é mais um movimento “contra tudo isso que está aí”, mas “contra esse governo que está aí”.

Ainda que a rua seja espaço de gritos de guerra, de bandeiras, qualquer movimento só colherá bons frutos se desapegar dos radicalismos de ambos os lados que rasgam o país (e o mundo, sejamos justos), desde o começo da década. Não dá, e nem queremos, voltar no tempo. A solução não é nem alugar o Brasil, como já ironizava Raul Seixas, nem PSTUlizar o continente. Deixarmos de lado esse programa governamental ideológico, idiota e destrutivo, sobretudo na política ambiental, já é grande passo. Nos permitir discutir juntos, projetos reais para o país e identificar pontos positivos e negativos em cada abordagem, mais ainda. Entender que se fez muita coisa errada no Brasil dos últimos 20 anos, e que corrupção e incompetência não são privilégios de uma ou outra corrente ideológica, necessário. Ter uma gestão que se baseie mais em dados do que em memes, uma conquista a ser celebrada por décadas.

Entre os teóricos da conspiração há sempre a pergunta de a quem serve a atual política entreguista e repleta de bombas de fumaça e de distração. Não há de se esquecer que entre incompetência e má-fé, é sempre mais provável que seja caso de incompetência. E não se deve subestimar o poder (destrutivo) de uma incompetência ideológica. Talvez nunca saibamos a quem, se alguém, serve a política atual. Mas sabemos que uma política de diálogo e projetos reais, baseados em dados, servirão a todos nós. E, para chegar lá, o primeiro passo é parar de demonizar a Educação. Nem que, para isso, seja preciso um pouco da balbúrdia e idealismo utópico dos jovens.

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