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Dossiê Futuro – O futuro do carro

Written by

Roberto Cassano

Praticamente todas as conversas que tive até agora citaram os efeitos de carregarmos os celulares conosco. Mas e quando são eles que nos carregam? A tecnologia embarcou de vez nos carros, cujos protótipos e sistemas agora são apresentados não em autódromos, mas em feiras de gadgets eletrônicos como a CES, em Las Vegas. O jornalista Henrique Koifman, apresentador do programa Oficina Motor, da Globosat, é apaixonado por carros e profundo entendedor de sua indústria e de suas rebimbocas. Foi a ele que recorri para para descobrir se essa união dos mundos da tecnologia e dos automóveis é uma carona ou uma colisão.

Do lado de quem luta para acompanhar o frenético mundo dos gadgets, como nosso convidado anterior, Carlos Alberto Teixeira, e de quem não saberia consertar o próprio carro caso ele desse alguma pane, a indústria automotiva vinha num processo evolutivo gradual até alguns anos, quando saiu dos cadernos especializados para entrar no radar do Vale do Silício e das empresas de tecnologia. Mas será que foi assim?

“Se formos estudar a história da indústria automobilística você vai ver uma curva exponencial no que diz respeito à tecnologia”, defende Koifman. “Se você comparar o motor atual, que é o coração do carro, com um motor de 1910, você verá que no que ele tem de básico, ele não mudou tanto assim. O que mudou foi a tecnologia, foi a inteligência de você administrar o que tem ali, para torná-lo mais eficiente. E nos últimos 10, 15 anos, a grande diferença foi a chegada da eletrônica para dentro do carro. E daí vem essa onda tecnológica mais clara, mais evidente. Até então o automóvel era uma máquina eminentemente analógica e passou a ter muita coisa digital.

Carro 2.0

“A injeção eletrônica é algo que todo mundo percebeu que mudou no carro, porque de repente os carros pararam de enguiçar na rua. Nessa época de verão no Rio de Janeiro, você andava pela rua e via um monte de carro quebrado, isso não acontece mais. É um golaço tecnológico”, comemora. “Os defeitos bobinhos que faziam o carro parar, como afogamento por excesso de combustível, tudo isso acabou. Lembra de entupimento de giglê? O sujeito tinha que abrir o fusquinha, abrir a tampa e assoprar um negócio, era uma coisa quase homem das cavernas dos carros.

Teste de airbag em 1981. Foto: “Airbag2” by DaimlerChrysler AG.

A tecnologia também melhorou a segurança dos automóveis. “Controle de estabilidade, freio ABS, que é uma coisa mais antiga, airbag, todos esses acessórios de segurança estão ligados diretamente à tecnologia. Nenhum deles é tão novo assim, isso é curioso. O que a tecnologia fez foi tornar mais baratos e eficientes conceitos que já existiam.

“Outra coisa que se aprimorou estupidamente com a tecnologia nos últimos anos é a eficiência energética dos automóveis. É algo maravilhoso. No Rio de Janeiro mesmo, a quantidade de fumaça que se tinha por causa de carros era uma coisa absurda. E olha que a gente não é ponta de lança em controle de emissões. Eu vou chutar, mas acho que hoje a gente tem 5%, 10% no máximo de emissões que a gente tinha 20 anos atrás.

Um Toyota Prius 2015. Foto: Divulgação/ Toyota

Tecnologias fumegantes

Henrique aponta a redução das emissões como uma grande vitória tecnológica. “Melhorou muito. O automóvel já não é mais o maior emissor de carbono e de poluentes nas cidades. Não é mais, já foi. Hoje em dia a Indústria já passou a liderar de novo. A injeção eletrônica, os catalisadores, a otimização dos recursos energéticos do carro, tudo isso melhorou muito.” Mas de qualquer maneira, por mais que sejam eficientes, são 47,9 milhões de automóveis (a frota brasileira em 2014) emitindo um pouco que seja de carbono e consumindo combustíveis fósseis. Não tem nada mais que a tecnologia possa fazer?

Tem. Os automóveis híbridos e elétricos. “Carros híbridos no Brasil não são uma realidade por uma questão meramente fiscal. Em Los Angeles (EUA), a impressão que se tem é que metade dos carros são híbridos ou elétricos. Não chega a tanto, mas é a impressão. Todos os táxis são. Toyota, Ford, Honda… todos tem modelos elétricos ou híbridos. A Nissan tem hoje o carro elétrico mais vendido do mundo que é o Nissan Leaf, que é um projeto que foi construído para ser elétrico. No Europa andei de táxi Prius adoidado. Não é uma questão somente de consciência ambiental, é que sai muito mais barato manter um carro desses.

Mas não se um carro desses for vendido aqui a R$ 120 mil, que foi o preço de lançamento do Toyota Prius aqui. “Isso é totalmente fora da realidade, aqui é pra não vender. É pra mostrar que você é chique, antenado com as novas tecnologias, comprometido com o futuro. Mas não é um carro chique; o Prius, particularmente, é muito simples. É o carro híbrido mais antigo e mais bem sucedido, já tem mais de 10 anos de mercado. Mas eu, como amante de automóveis, não te diria que é um carro legal… não é um carraço,

Carraço são os da Tesla, fabricante americana de modelos elétricos. “Além de ser elétrico, é um carro de luxo, com desempenho esportivo maravilhoso, tem autonomia sensacional. Custa muito caro (um modelo S completo sai por mais de US$ 130.000), mas o sujeito além de status está comprando desempenho, realmente algum conteúdo que justifique o preço. No caso do Prius é somente o charme da coisa e o comprometimento ambiental. Para se ter uma ideia, o que o fusca foi pro brasileiro até algumas décadas é o que o Prius é pro californiano hoje. Você não anda duas quadras sem ver um Prius.

Meu carro tá sem bateria. Me empresta o seu?

Henrique devolve a bola do mundo dos carros para o dos celulares ao evocar o problema das baterias. Mais do que durabilidade, a questão é o que fazer com elas depois que perdem sua eficiência. “A autonomia do carro é uma questão secundária. Porque se você tem um carro com 100 quilômetros de autonomia, isso resolve 99% das suas necessidades. Você vai trabalhar, volta e bota o carro para carregar. Se você for viajar e o carro for hibrido, não tem problema, pois pode usar a gasolina para ir aonde quiser.”

“O problema é a vida útil da bateria, que dura 5 anos, com boa vontade, e depois disso precisa ser descartada. E ela é cara, custa de 1/3 a metade do preço do carro para trocar. E não são totalmente recicláveis. Você resolve uma coisa de curto prazo mas cria um abacaxi de médio prazo. Isso vai ser resolvido, acredito, mas é um problemão.

Talvez os dilemas e benefícios das baterias seja o que une de forma mais intensa os dois mundos. Elas simbolizam bem um processo de mimetismo da indústria automobilística com a tecnológica. A Tesla está construindo uma gigantesca fábrica de baterias, o que atrai o interesse de diversas empresas de tecnologia, em especial da Apple, que foi cogitada como possível investidora na planta. Recentemente, a Forbes relatou que a fabricante de automóveis já contratou 150 profissionais da Maçã. Além disso, a Tesla apresenta seus carros em eventos muito mais parecidos com os keynotes de Apple e Google do que com os evento da velha Detroit. Seus produtos são softwares que andam.

Não se fazem mais clássicos como antigamente

Se importarmos tudo do mundo dos gadgets para os carros, importaremos também suas obsolescências programadas. Achamos normal um celular quebrar depois de dois anos de uso. Acharemos o mesmo de nossos veículos? “Pois é, essa é uma questão. Quem gosta de carro gosta de carro antigo. Quer ter o de último tipo, o mais possante, mais moderno, mas tem uma certa nostalgia, mesmo sem ter vivido, e gosta dos carros antigos. A gente fala muito de clássicos e de carros antigos no programa. E brincamos que os clássicos do futuro serão os mesmos de hoje, carros até os anos 70, como os carros antigos de coleção. Dos 1980, especialmente de 90 em diante, você não poderá ter. Você não consegue manter um carro desses por 20, 30 anos. Foram projetados para serem desmontados.

“Você não terá como produzir um circuito eletrônico deles, quando caducarem. Com um torneiro mecânico você consegue produzir qualquer peça de um motor a explosão antigo, vide Cuba. Em Cuba tem carro dos anos 40, 50 rodando tranquilamente, cheios de gambiarras das mais malucas, os mecânicos lá são uns gênios, mas é perfeitamente possível manter um carro desses rodando para sempre. Mas os carros tecnológicos… os híbridos então, é impossível.”

Interior do Mercedes F 015, apresentado na CES 2015. Divulgação/ Mercedes-Benz

Jarbas, leve-me pra casa

Além das baterias e motores elétricos, a atração da vez neste casamento entre tecnologia e automóveis é a automação da direção, em que o carro assume por você funções que você faria, sobretudo no campo da segurança e dos reflexos, como o carro do Google, mais presente no noticiário de tecnologia. Segundo Henrique, é a bola da vez na Europa, sobretudo, e nos EUA.

Modelo da Volvo andando sozinho por estradas da Europa. A ideia é que estejam rodando até 2017. Divulgação/ Volvo

“A Volvo apresentou recentemente no Brasil um carro que anda sozinho e já está pronto. Você insere o endereço, começa a dirigir, tira as mãos do volante e ele vai sozinho. A Mercedes também tem. Na Europa tem toda uma padronização de sinalização de pista, de mapeamento das regiões, placas de rua e de velocidade, todas da mesma altura, cor, posição… E os carros autônomos dependem mais da leitura do asfalto e do ambiente do que do GPS. O GPS dá o ponto de chegada, mas o que faz ele não bater em nada, parar nos obstáculos, é a leitura do ambiente.” Para um carro andar sozinho, não basta saber o caminho entre o ponto A e o ponto B. Ele precisa saber se ali há uma esquina, que o meio fio tem tal altura, e que tem um bueiro etc etc etc.

Já temos várias coisas nesse sentido funcionando, nas ruas. “Dirigi carros especiais lá (na Europa) mas também carros comuns, como uma minivan chamada Sharan, que seria a sucessora de nossa Kombi. Um carro a diesel, para 7 pessoas, acabamento bacana. Parece carro de luxo. Estava dirigindo ela numa autobahn e notei que o volante estava me puxando para dentro da pista. O volante ficou duro, fazia uns movimentos esquisitos. Aí descobri que existe um sistema nesse carro que lê as linhas da pista e, caso esteja acionado, ele joga o carro para dentro da faixa. Não te deixa sair.

“Outra coisa que tem em carros já vendidos, mas não fabricados no Brasil, é o ACC — Automatic Cruise Control. Você regula no sistema a distância que quer manter do carro da frente. Você ativa o piloto automático, ele vai acelerando por você na velocidade desejada. Quando você se aproximar de outro carro, ele vai desacelerar automaticamente para respeitar a distância definida por você — digamos, 25 metros. Quando o carro da frente sair, ele vai reacelerar até a velocidade que você definiu. Além de você descansar, esse sistema economiza combustível, pois ele será sempre mais preciso do que seu pé. Essa van chegava a fazer 20 Km por litro de diesel na estrada, a 150 km/h.”

Seremos todos passageiros?

Temos muitas coisas hoje, nas ruas. “Não é um grau de automação total, são coisas que estão lá para dar mais segurança. Você pode até desligar tudo isso se quiser.” Mas será que é só o começo? Que gradualmente cederemos completamente o controle até virarmos passageiros?

“Nunca dirigi um carro totalmente autônomo, deve ser esquisito, porque nós estamos acostumados com outra coisa. Para eu que adoro dirigir, a obrigatoriedade de não dirigir me assusta. Mas poder fazer isso de vez em quando, na estrada…

Henrique acredita que a Europa largou na frente rumo a implantação em larga escala dos carros autônomos, por conta da padronização de placas e afins. “No Brasil vai demorar muito mais tempo, mais pela condição das estradas do que pela tecnologia em si. O problema é fazer os governos adotar isso como normas nas estradas, cidades, vias expressas.

“Sobre ser compulsório ou não, vai variar muito. Nos EUA, onde se defende até o direito de ter uma bazuca em casa, acho que nunca vai ser compulsório. Mas em certos países da Europa vejo isso tranquilamente. Algumas zonas das cidades serem de tráfego obrigatório no piloto automático.

Anotem a placa daquela tecnologia

A indústria também foi atropelada pela tecnologia e vive o conflito entre saltar no desconhecido ou manter as tradições e processos. A Ford buscou a confiança da marca Microsoft para seus sistemas de navegação e se arrependeu, fazendo uma recente troca pela Blackberry que, quem diria, se mostra forte nome no mercado da internet sobre rodas. A Tesla vem sofrendo ataques nos EUA por vender direto ao consumidor, sem concessionárias.

Henrique vê sinais de mudança na indústria, mas não sem tensões. “Nos EUA, a venda de automóveis é muito peculiar, com uma cultura corporativista muito forte. No Brasil, no início dos anos 90, a Fiat tentou vender carros pela internet, acho que era o Uno Mille. Não deixaram. Não porque era errado ou ruim, mas porque era bom demais. Mas iria provocar uma mudança tão radical e rápida que consideraram nocivo.”

O fim dos populares

Koifman encerra com um vaticínio: “Acho que o carro popular como a gente conhece hoje vai sumir, em até 15 anos. Os meios de transporte de massa têm que suprir essa demanda. É inviável que cada pessoa no mundo tenha um carrinho, poluidor, que ocupa espaço”, aposta. “Quem tem dinheiro vai ter um carro bacana para poder viajar, curtir no final de semana. Ter carro vai ser como era no começo, uma coisa chique. No começo os carros eram feitos um a um, você comprava um chassi na Bugatti, na Rolls Royce e levava para um carroceiro, um estilista, fazer uma super carroceria para você. Acho que gente vai reverter a isso. É claro que o 1-para-1 não vai ser como naquela época, feito à mão.”

“O futuro da tecnologia do automóvel vai transformá-lo numa coisa de luxo de novo”. Vamos ter menos poluição, mas teremos mais motoristas de domingo. “Mas os motoristas de domingo terão caros autônomos para não deixar eles fazerem besteira”. Então tá resolvido.

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