Leituras recentes: mergulhos no futuro, no passado e em Copa
Além de Máquinas como Eu, que rendeu uma resenha específica aqui no Brogue, nas últimas semanas tive a oportunidade de ler alguns livros bem interessantes e diferentes entre si. Teve muita ficção científica, mas não só. Houve espaço para o fantástico, o decolonial e a literatura sarcástica e ácida de Fernanda Torres. Vamos ao rodízio de leituras? Hoje, temos no cardápio Os registros estelares de uma notável odisseia espacial, Nibiru, Deus Salve a América, Ekos e Fim.
Cotidiano no êxodo
Descobri Becky Chambers e sua saga Wayfarers no Clube #LetrasCadentes, de Leituras Coletivas com foco em SciFi. Uau, que viagem. Eu amei o primeiro livro, A longa viagem a um pequeno planeta hostil, que também ganhou uma resenha aqui. Para a LC do #LetrasCadentes, comprei a edição impressa em capa dura de Os registros estelares de uma notável odisseia espacial (Darkside), que seria o terceiro da saga (é possível ler fora de ordem).
O primeiro grande destaque é para o acabamento. Capa maravilhosa, diagramação idem. A história, em si, tem outra dinâmica. Quem achou “A longa viagem…” lento, vai sentir que “Os Registros…” não sai do lugar. E não sai mesmo. A narrativa se passa praticamente toda dentro das gigantescas naves da Frota do Êxodo, que abrigam os descendentes dos humanos que abandonaram a Terra moribunda.
Acompanhamos a visita e os registros de uma antropóloga de outra espécie, e a rotina de personagens diversos, num mergulho sobre o modo de vida de um povo que abandonou a segurança da terra firme, e vive há gerações na fragilidade da existência flutuando no vácuo.
É mais utópico e inspirador que Star Trek. Temos ali uma sociedade gigante, autossuficiente e sustentável, que não apenas sobrevive, mas floresce. Há, claro, a ajuda e as influências de outros povos mais sofisticados da galáxia, e isso é retratado na narrativa.
Mas pouca coisa acontece, feijoada. Chega-se à metade da história esperando o fio que vai amarrar aquelas pessoas e algum fato que bote a bola de hamster em ação e… nada. A narrativa segue nessa toada intimista – um interessante contraponto entre a enormidade das estruturas e os dilemas pessoais e familiares de cada núcleo narrativo.
O livro não é tão impactante e agradável quanto o livro que deu origem à série, mas ainda assim válido. Só não recomendo começar por ele.
Maratona Saifers
Naveguei por várias histórias do coletivo de autores de ficção científica Saifers. Os livros do selo estão disponíveis no Kindle Unlimited da Amazon e recomendo demais.
A abertura dos trabalhos foi com Nibiru, de Aelita Lear (Saifers). É o segundo volume da série Cativos, que tem início com Pangea (recomendo ler na ordem). Temos alienígenas, naves-planetas, a difícil relação entre familiares de gerações diferentes que guardam segredos entre si e romance.
Alienígenas (ou não?) também são o mote de Deus Salve a América, de Rogério Pietro (Saifers). A novela tem uma agradável pegada Arquivo X, em uma trama que nos leva para os anos finais da Segunda Guerra, o episódio de Roswell e viagens no tempo. Vale ver a resenha do excelente Horizonte Limite, do mesmo autor.
Ekos, de Maysa Santiago (Saifers), é uma boa pedida para quem busca uma distopia cyberpunk jovem repleta de brasilidade. Chega de Los Angeles chuvosas, vamos ver o bicho pegar em São Paulo mesmo, com direito a um mar de grafites, arte urbana e até o Beco do Batman.
O Fim chega para todos
Para terminar, me deixei influenciar pelas chamadas televisivas e li Fim, o romance de estreia (em 2013) de Fernanda Torres (Companhia das Letras), que acaba de virar série pelo Globoplay. O livro acompanha os momentos finais de quatro amigos e das pessoas na órbita do grupo, quase todos flutuando pelos cenários da Zona Sul carioca, a praia, Copacabana, indo até um certo lugar na Glória onde muita coisa acontece.
Acompanhamos o amadurecimento e o inevitável empacotamento dos personagens, sobretudo em função de suas pulsões, neuras, realizações e desilusões sexuais e amorosas. É uma turma muito transante, fruto da revolução dos costumes dos anos 50 e 60.
Entre os pontos fortes estão a escrita rápida e ácida, que lembrou bastantes os roteiros de Fernanda Young, muitos interpretados, como atriz, pela própria Fernanda, e o fato de alguns personagens serem absolutamente detestáveis, de pensarem e agirem de forma que muitos recriminarão (outros invejarão). Não tem santo ali, nem o padre, talvez ele, depende. Interessante como algumas cenas são narradas várias vezes, cada hora pelo ponto de vista de um dos participantes.
É uma suruba narrativa da melhor espécie. O único porém é que os causos perdem fôlego ao longo das páginas e os personagens iniciais acabam sendo mais ricos que os outros, que soam como coadjuvantes.
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