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Inteligência Artificial: reflexões inspiradas por Movimento 78

Written by

Roberto Cassano
Capa do livro Movimento 78, de Flávio Izhaki

No fundo, a gente morre de medo das IAs, as Inteligências Artificiais. Mas o lance é que a gente também ama as pessoinhas virtuais e confia nelas. Principalmente porque “algoritmo não erra”. Nossa relação dúbia com a cria de Ada Lovelace, que inventou os algoritmos láááá atrás, é uma conclusão lógica e racional. Que, assim como as decisões das máquinas, que sempre são lógicas e racionais, também podem estar logicamente erradas.

A base é uma observação do mundo. Tudo que não é natural nesse planeta, foi a gente que fez. Ou seja, tirando sol, terra, ar, bicho e planta, o humano é o grande Criador. E, tirando bicho, planta, etc, a gente consegue ver uma pá de coisa errada por onde quer que olhemos. A conclusão mais óbvia de qualquer um que coloca a cabeça pra fora da janela é “deu ruim, deveríamos ter virado para um lado diferente em alguma bifurcação evolutiva lá atrás. Vacilamos, foi mal”. Daí o famoso “errar é humano”. Como diz Douglas Adams, “descer das árvores foi um grande erro”.

Por conclusão lógica, se o humano é inevitavelmente errado, o não-humano tá certo. Aí entra o Divino, que jamais erra, mesmo quando a gente acha que não tinha nada a ver, sei lá, três raios caírem sobre um orfanato, ou alguém ficar doente muito cedo. “Deus sabe o que faz”. O tal do inefável, tão presente em Belas Maldições, do Gaiman.

Mas o Divino, que não erra, não ajuda muito a fazer carros andarem sozinhos, a otimizar triagem em hospitais, a criar textos, imagens e linhas de código, derrotar campeões de jogos de tabuleiro etc. Então inventamos nossa própria divindade, que não erra, invisível, onipresente e cada vez mais onisciente: a IA.

Não tem como não amar e querer mais e mais de algo que não erra* e vai deixar tudo perfeito. Vai encontrar nossas potencialidades ainda na escolinha, vai curar as doenças que ainda nem temos, vai incrementar a análise dos esportes vai… tudo.

Tudo? Aí deu ruim, dá pra voltar atrás e dobrar diferente alguma esquina do passado? Agora é tarde. Quando a coisa que não erra e faz tudo, começa a fazer tudo, onde fica a gente? Pelo menos, a IA parece ser de fato democrática e não elitista: ameaça tirar o emprego de todo mundo, do motorista de caminhão ao Washington Olivetto, do Romero Britto ao oncologista. Se vai conseguir, não sei. Até porque IA só apita enquanto o humano deixar, é ele quem, pelo menos, ainda paga a conta de luz que alimenta o servidor.

Tudo isso é pra dizer que Movimento 78, de Flávio Izhaki, é um livro sensível, antenado, divertido e muitíssimo bem escrito. Vamos oscilando entre presente e futuro para ver como um inocente “olha, fiz uma foto minha em IA” pode virar uma grande caca em algumas décadas. O que começa em triunfos de IAs-celebridades como AlphaGo e DeepBlue degringola para erros fatais por excesso de confiança (e ganância) nesses sistemas e, por fim, à submissão da sociedade aos algoritmos, às probabilidades e às invisíveis máquinas que sabem que são melhores e mais consistentes que nós.

Como toda ótima ficção científica, provoca reflexões. Consegue ser crítica sem ser ludita. A IA, em si, não é má, não é algo a se combater: ela pode ser uma aliada poderosíssima nossa, pode de fato nos libertar de uma série de de problemas ou erros. Ou pode ser o pior movimento de peças que já fizemos no tabuleiro da história. Pensei em ilustrar esse post no Midjourney, mas além de já não ter mais créditos, tive medo de essa ser justamente a jogada que degringola o espaço-tempo. Igualmente cogitei pedir pro ChatGPT fazer uma resenha do livro, mas também tive medo do texto ficar melhor que o meu.

P.S. Concordo 100% que a melhor parte da recém-paternidade são os momentos de intensa conversa entre pai e bebê à espera de um arroto. Duvido que o ChatGPT dissesse isso no texto dele.

P.S. 2 Profissionalmente, sigo estudando e explorando cada vez mais as IAs. São ferramentas muitíssimo poderosas para inúmeras atividades. Mas precisam ser isso, ferramentas valiosas e incríveis, não divindades. Lugar de martelo é na mão, não sobre nossas cabeças. Na questão do roubar ou não os empregos, prefiro ter a visão otimista de que elas têm potencial para nos livrar de nossos trabalhos, nos libertando para viver e não cumprir tabela de 9 às 5 por toda a existência.

* Importante fazer justiça aos vários pesquisadores que fazem trabalhos sérios sobre ajustes fundamentais em nossa forma de aprimorar e usar algoritmos, denunciando questões como o “racismo algorítimico”. Esquecemos que eles são programados por humanos, respondem a objetivos empresariais e são alimentados por dados também produzidos por nós.

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