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Março fantástico e científico

Written by

Roberto Cassano

Mais um mês, mais leituras. Comecei uma ousada #MaratonaCortázar, passando pela primeira de suas muitas coleções de contos. Também houve espaço para o fantástico (de) Neil Gaiman e a ficção científica de Isaac Asimov, Maikel Rosa e Fernando Rômbola.

A Outra Margem, de Julio Cortázar

Estou apenas no começo de uma longa jornada de 1.144 páginas (ou 1.741 no meu Kindle). É a compilação de todos os contos do gênio argentino Julio Cortázar, chamada (de forma autoexplicativa) “Todos os contos” (Companhia das Letras).

Concluí o primeiro dos livros que integram essa coleção, “A Outra Margem“, de 1945. São 13 contos que funcionam como um incrível cartão de visitas. Há narrativas fantásticas (em todos os sentidos), temas que se tornariam clássicos na literatura, e os traços e tons de um autor que aperfeiçoaria o conto, que tornaria perfeita (e latina) a provocação de Allan Poe.

Temos multiversos, o desconectar-se da realidade (tema recorrente em Cortázar e que vamos encontrar também em Borges), e até mesmo ficção científica. Muito curioso ver um espécime alienígena (no ótimo “Da simetria interplanetária”) descrito em 1943 da mesma forma que Andy Weir faria em seu “Devoradores de Estrelas“, de 2021.

Destaques até aqui:

  • O filho do vampiro“;
  • O telefone toca, Delia“, que andou para Além da Imaginação poder correr;
  • Bruxa“;
  • Da simetria interplanetária“; e
  • O singelo e surreal “Estação da mão“.

Eu me lembro de tudo, de Maikel Rosa

Eu me lembro de tudo (Saifers), terceira e última história da série Metadroides, de Maikel Rosa, é moderna por diversas dimensões. Assim como o título que dá origem à série, “Uma garrafa e dois copos“, traz uma narrativa curta e certeira, escrita com maestria e que aborda, em um cenário distópico e futurista, mazelas muito contemporâneas e familiares, como xenofobia e o eterno fantasma do pensamento eugenista.

Acompanhamos, por uma narração em primeira pessoa e pela transcrição de diálogos, as histórias entrelaçadas de Âner, deficiente auditivo de memória prodigiosa que descobre ser filho de um androide, e de Lara, uma mulher feita prisioneira e condenada à morte por uma tentativa de aborto.


Pedra no Céu, de Isaac Asimov

Também teve um clássico passando por meu Kindle. “Pedra no céu” (Aleph), é o romance de estreia de Isaac Asimov, construído a partir do que seria, originalmente, um conto. Na história, o Império Galáctico que veremos tão bem na saga Fundação, com sua capital Trantor, esqueceu suas raízes. A Terra não passa de uma pedra no céu, um lugar radioativo, inóspito e beligerante, dominado por seitas obscurantistas. Tanto que uma das personagens, a dado momento, solta a frase “Dizem que terráqueo bom é terráqueo morto.

Além da narrativa em si, que é ágil, divertida e instigante, uma das experiências mais satisfatórias da leitura é perceber as sementes para vários elementos e tramas dos livros que tornariam Asimov o grande e celebrado mestre da ficção científica. A paixão pela energia nuclear, o Império Galáctico, planetas como Trantor, tudo está lá, inclusive aquilo que nem ele conseguiu prever: no futuro de Asimov, milhares de anos à frente de nossos tempos, ainda há espaço para papel, microfilmes e pessoas fumam em aviões.

“Eles não darão ouvidos. Sabe por quê? Porque eles têm certas noções fixas sobre o passado. Qualquer mudança seria uma blasfêmia aos seus olhos, mesmo que fosse verdade. Eles não querem a verdade; querem suas tradições.”

Pedra no Céu, Isaac Asimov

O Livro do Cemitério, de Neil Gaiman

Ah, Gaiman… são sempre duas sensações ao ler Neil Gaiman. A primeira, um senso de arrebatamento e envolvimento profundo com uma história que soa até mesmo tola ou infantil quando resumida e extirpada do “como” que a torna mágica. A segunda, um certo desespero ao reconhecer que jamais conseguirei dominar as palavras como ele.

O Livro do Cemitério” (Rocco Jovens Leitores), acompanha a infância e a adolescência de Ninguém Owens, um bebê que escapou do terrível assassinato de sua família e ganhou acolhida e proteção por fantasmas e mortos-vivos de um cemitério britânico.

O trunfo de Gaiman é como ele constrói seus mundos e personagens, como sua escrita é sensorial, as palavras que escolhe. O ritmo que dá. O total domínio da arte de mostrar e esconder, de falar no montante certo ou de calar-se. De “Um hálito de vento farfalhou o cabelo de Nin“, a essa forma de descrever uma morte iminente: “Se fosse rápido demais, o homem o perderia, mas se fosse devagar demais, um cordão de seda preta se enrolaria em seu pescoço, tirando sua capacidade de respirar e todos os amanhãs que tinha.

Há sempre espaço para humor, para deslumbramento, mundos fantásticos e aventura. Não é um livro infantojuvenil nem adulto. É um livro para humanos.

Ester, de Fernando Rômbola

Se Cortázar brinca com multiversos, personagens que se encontram e realidades que se transformam, Fernando Rômbola faz destes paradoxos a espinha dorsal da saga de suas Esteres, cientistas brilhantes à beira da descoberta (e aplicação em si própria) da imortalidade. Tal poder é perigoso, e alguém poderia intervir. E se essa pessoa fosse ela mesma?

Neste conto, somos apresentados à Ester original, e a outras também. É nossa porta para um universo paradoxal, repletos de viagens no tempo-espaço, que já conta com quatro volumes (o quinto está prestes a sair): “Ester” (Saifers), “Sara“, “Alma” e “Ester: Multiverso“.

Ao fim, uma pergunta: você curte páprica?

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