Dossiê Futuro – O futuro da sociedade – parte 2
Nesta segunda parte da conversa com Carlos Nepomuceno, jornalista, professor e pesquisador, vamos discutir as contradições das gigantes da internet que criam plataformas descentralizadoras mas são centralizadoras de capital, nossa maturidade como cidadãos dessa nova sociedade e prever o que pode dar errado e o que já está dando errado.
Para começar, uma dúvida. Se temos ferramentas tão poderosas que mudam nossos cérebros e nossa sociedade, por que não sabemos usá-las direito (dedique um tempo a ler comentários de portais de notícias) e por que as empresas por trás das plataformas revolucionárias são supergigantes controladoras e monopolizadoras?
“No passado, quando chegou o impresso, as pessoas eram analfabetas. Igreja e monarquias eram os poderes absolutos. As pessoas não tinham autonomia de pensamento. Precisamos iniciar um ciclo de autonomia de pensamento. Nós realmente não estamos prontos, pois somos filhos da baixa autonomia de pensamento do século passado. Não fomos educados para pensar com a própria cabeça. Temos que construir um novo modelo de autonomia, para que em duas, três, quatro gerações possamos ter um novo modelo de empresas, de instituições. Vai demorar, mas tem que começar em algum ponto.”
Contradição ponto com
“Quanto às empresas, eu concordo. Se você pegar Facebook, Google etc, você tem uma concentração, e isso é contraditório. Você tem redes descentralizadas com capital centralizado. Mas tem uma crise embutida nisso aí.” Nepô cita os questionamentos que produtores de vídeos fazem ao Youtube, sobre uma possivelmente desigual divisão da receita. “Teremos um movimento das pessoas que participam dessas redes contra essas estruturas centralizadas. Veremos surgirem mais plataformas com promessa de distribuir melhor o capital. E brigas pela democratização dos algoritmos. Você não controla o algoritmo do Facebook, e as pessoas vão querer controlá-lo.”
Quando chegarmos a um modelo de redes mais participativas, incluindo a participação nas receitas, teremos um contexto de colaboracionismo, que é uma evolução do capitalismo/empresismo. “Ainda não vejo isso acontecendo, mas há sinais da crise. Teremos um conflito entre o modelo de governança do capital e da necessidade das pessoas de mais participação. Eles são incompatíveis e teremos que colocar isso na mesa.”
E o que pode dar errado?
Infelizmente, já está dando. Nepô aponta alguns sintomas da revolução cognitiva que surge do medo do desconhecido, do novo. “Temos a volta do fundamentalismo. No Brasil, na América Latina, no Oriente Médio. As pessoas querem voltar ao passado, para seus mundos primitivos. É um problema sério, grave. Em vez de enfrentar a complexidade e inventar o colaboracionismo, que é a evolução do capitalismo, as pessoas querem resgatar o passado. É o que se vê na Venezuela, por exemplo. Ao invés de se introduzir tecnologias, se introduz mais controle.”
A volta ao passado, defende Nepomuceno, é um apelo tentador, de fácil marketing. O que podemos ver como a oportunidade de melhorar, de introduzir a democracia digital e a colaboração, outros enxergam como a chance de viajar no tempo. “O neopopulismo marxista atrasado da América Latina centraliza informações, redes e isso só vai aumentar as crises.”
Pergunto se a nova “guerra de classes” seria entre um mundo do capital, que tende a se concentrar e o mundo das ideias, que tendem a serem disseminadas e compartilhadas. Nepô propõe uma batalha diferente, entre dois tipos distintos de fundamentalismo e a tecnoeconomia:
- Fundamentalismo do passado: contradições fortes, crises, e um discurso de fácil aceitação;
- Fundamentalismo do presente: acredita que está tudo bem, que o sistema atual é o melhor. “É até preferível que o fundamentalismo do passado, pelo menos é mais perto do futuro”, diz.
- Tecnoeconomia: que vai tentar resolver os problemas das crises usando as novas alternativas que surgem.
Como exemplo ele se lembra dos projetos de empréstimos P2P, onde “vizinho empresta dinheiro para vizinhos”, que foi proibido pelo Banco Central. “Os fundamentalistas não defendem esses caras.”
Não adianta acelerar o futuro
“Só vamos acabar com a concentração por meio das novas tecnologias. mas isso é complicado, exige uma capacidade e entendimento das coisas mais sofisticada. E não adianta acelerar o futuro. Você precisa ter uma semente bem plantada no presente, não adianta fazer gambiarra.” Nisso eu me lembro de uma frase que um cliente gostava de dizer: “Vista-me com calma porque estou com pressa.” E me reconheço, apressado que sou. As ferramentas brotam a cada dia, startups valem bilhões de dólares em menos de um ano. Tecnófilos que somos — no sentido de amantes e estudiosos das tecnologias — entramos todos em rotação acelerada e realmente é preciso muita reflexão e calma para ver, ou ao menos intuir, uma série de rupturas, de mudanças, de novas pontes a cruzar e aceitar que o processo que estamos vendo nascer só pode estar maduro em 50, 100, 200 anos. Que não viveremos para ver em que bicho tudo isso deu.
“A proposta politica e econômica precisa ser plantada agora, para que possamos ajudar as novas gerações a trabalhar e melhorar essas mudas que plantamos. Não podemos ser nem impotentes nem onipotentes. Precisamos ser potentes. E seremos potentes plantando nossas sementes, disseminando as ideias. Não é fácil, não é rápido, mas precisamos trabalhar nessa construção.”
Se você quer fazer parte dos livros de história do futuro, a hora é essa. Pronto para semear?
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