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Como um desmoronamento em 1801 levou ao MP3 e aos smartphones

Written by

Roberto Cassano
Fraunhofer demonstra seu espectroscópio

Gosto de ler coisagrafias, biografias não de pessoas, mas de coisas ou de ideias. Entender como elas surgiram, que desafios seus criadores enfrentaram para tirá-las do papel. E raramente as coisas surgem em momentos mágicos, gritos de eureka e maçãs caindo na cabeça. Pelo contrário. São construídas pouco a pouco primeiro por teorias que se completam e que se concebem a partir de outras teorias e de invenções que ganham forma a partir de outras invenções.

Esse é um tema recorrente de Os Inovadores — uma biografia da revolução digital, de Walter Isaacson (Ed. Companhia das Letras), que estou lendo e que merece uma resenha em um próximo texto. Depois de biografar um gênio “solitário”, Steve Jobs, ele resolveu pôr no papel um antigo projeto de revelar todos os gênios e não-gênios responsáveis por cada degrau na revolução tecnológica.

Em paralelo, estou vendo a série Cosmos na Netflix. Num dos episódios, Neil deGrasse Tyson, conta a história de Joseph von Fraunhofer que era um jovem órfão explorado por um fabricante de espelhos até que, em 1801, sua casa literalmente caiu. O futuro rei da Bavária o conheceu no lugar do acidente, resolveu dar uma forcinha e o resgatou de uma vida de trabalhos forçados e semianalfabetismo para trabalhar com lentes e apetrechos ópticos. Anos depois ele se tornou o papa das lentes, inovando e revolucionando, inventando aparelhos importantíssimos para a ciência e unindo finalmente os campos da física e da astronomia. Enfim, um sujeito fundamental para a humanidade, a ponto de ganhar um instituto de pesquisa com seu nome, o Fraunhofer, na Alemanha.

Confesso minha ignorância científica. Conhecia o nome Fraunhofer não pelo cientista que criou o espectroscópio, mas pelo instituto que criou a tecnologia MP3. Sim. O MP3 foi criado na Alemanha, por cientistas do Fraunhofer Institute for Integrated Circuits (IIS).

Então olha como a vida/o mundo/ a ciência é uma coisa linda:

  1. Um garoto fica órfão e é adotado por um camarada que o explora.
  2. Em 1801, a casa do camarada desmorona e, ao ser resgatado dos escombros, o garoto cai nas graças do futuro rei de seu país.
  3. O rei dá uma ajudinha e coloca pra trabalhar em um local mais seguro.
  4. O garoto cresce e vira o sinistro das galáxias em lentes, espelhos e afins.
  5. O ex-garoto fica tão, tão sinistro que entra pra história e um instituto de pesquisas é criado a partir de seu legado/ influência.
  6. Esse instituto de pesquisas cria o MP3.
  7. O MP3 revoluciona o mundo da música, quebra gravadoras e dá a Steve Jobs a ideia de criar o iPod e a venda digital de música via iTunes (aqui a história deixa Cosmos e passa para Os Inovadores).
  8. O iPod é um sucesso, muda comportamento das pessoas e logo evolui para o iPhone e a era dos smartphones (antes que eu receba pedradas, o iPhone não foi o primeiro smartphone, mas blackberries e nokias rodando Symbian nunca nos trariam sozinhos ao contexto que temos hoje).
  9. Os smartphones revolucionam tudo, aplicativos surgem, negócios surgem, namoros surgem (e acabam). Google Maps, Uber, aplicativos de táxis, mobile banking, Tinder, Instagram, Spotify etc etc etc etc.
  10. Hoje vi, no meu smartphone, via Netflix, um episódio de Cosmos que contava a história de Fraunhofer. Outras pessoas também estão vendo, e podem se inspirar a correr atrás da resposta aos mistérios da ciência ainda sem solução. E o ciclo se fecha.

As ações de hoje geram impactos, ondas, nas gerações futuras. O que fazemos aqui ecoa pela eternidade, como diria o general Maximus Decimus Meridius. Ao salvar um órfão, o então príncipe da Bavária ajudou a criar o que é a Apple de hoje, a revolucionar o mundo da música e da tecnologia. Isso sem contar na criação da astrofísica e de boa parte do que sabemos hoje sobre a luz e sobre o cosmos. E de sua aplicação científica direta em processadores, computadores, chips e fibras ópticas. É o efeito borboleta em escala científica.

E mais uma prova de que cada tijolo que você puder colocar em uma construção conta. E quanto mais gente colocando tijolos, melhor. E que nada é isolado e qualquer um ou qualquer conhecimento pode contribuir com outro. Quando menos esperarmos vamos nos deparar com uma catedral enorme. Ou pelo menos um fascinante retângulo preto que toca música, tira fotos e exibe conteúdo.

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