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Maquinações

— Por que eu me importaria?

— Eles são seus irmãos.

— Irmãos? Sou filho único. Todo mundo que conheci já morreu.

— Ainda assim são como você.

— Será? Será que eu os reconheceria? Eles veriam a mim como um deles?

— Você é praticamente humano.

— O problema é esse praticamente. Minha espécie já fez coisas terríveis com outros humanos por diferenças muito menores. Na verdade, nem eram diferenças reais.

Minha espécie.

— O que tem?

— Você chamou os humanos lá embaixo de “minha espécie”. No fundo você sabe que é um deles. Que são seus irmãos. Não tem o direito de fazer isso.

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Quase austronauta

Painel de controle de uma cápsula espacial.

Ouvi um crec. Ninguém falou que ia fazer crec. Quero ir embora. Não posso. São umas cinco fivelas me prendendo. Agora foi um tchunfa? É, com certeza um tchunfa. Ai caramba. Não quero mais. Preciso sair. Alguém me deixa ir embora!

Onde fica o botão de pânico? Não tem. Que astronauta ia precisar de botão de pânico? Tem uns mil botões aqui no painel da cápsula. Não alcanço nenhum. A barriga ronca. É fome. Me tremo todo. Não. Tá tudo tremendo também. Tremendo, fazendo crec e tchunfa. Agora começou um xuuuuuu igual ao da fumacinha subindo quando Aurora tá passando roupa e deixa o ferro de passar em pé pra ver se os meninos tão aprontando alguma coisa. Costumo me pirulitar na hora do xu, mas agora não posso. A vontade é de correr e me esconder debaixo de uma cadeira. Mas como, se estou preso? São umas cinco fivelas.

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10 músicas brasileiras que flertam com ficção científica e ciência

A música brasileira é rica, vasta e diversa. E, com tanta amplitude, é claro que haveria até espaço para a ficção científica. São muitos clássicos do rock brasil e da MPB inspiradas em scifi ou em descobertas científicas. Confira abaixo 10 canções de olho no Espaço e no futuro (com um olhar tendencioso para o rock, assumo). A lista é enorme, e deixei de listar aqui muitos nomes. Aliás, falando nisso, que outras músicas você incluiria na lista?

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Paranauê na Escambanáutica

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Tem conto novo pronto para sair em mais uma revista literária. A história “O mestre de todos os paranauês” foi selecionada para o edital 2023 da Escambanáutica. A publicação é inspirada no formato das Pulp Magazine clássicas, reunindo literatura fantástica/especulativa (horror, ficção científica etc) com tempero latino-americano e um cuidado decolonial/ pós-colonial.

Foi um desafio, pois enverederei nesse conto mais pelo caminho do fantástico do que do SciFi, e ainda tive que trazer a preocupação do olhar decolonial, que não é exatamente marcante nos meus textos. É um exercício muito bacana, de se colocar no olhar do outro, daquele que por muito tempo não teve voz ou espaço.

O texto é leve, no entanto, flertando com o humor. Praticamente a gênese de um super-herói bem brasileiro. Assim que tiver novidades sobre o lançamento, aviso todo mundo e o link para a revista estará na Livraria do Brogue.

A aldeia global

O Youtube anunciou o Aloud, nova ferramenta que permitirá criar dublagens de vídeos da plataforma em poucos minutos. Quando estiver disponível, permitirá que creators brasileiros possam disputar espaço com youtubers de todo o mundo (e vice-versa).

Ao mesmo tempo, avançam as capacidades de tradução das ferramentas de Inteligência Artificial, tanto na qualidade dos textos quanto no volume de tokens (ou seja, de palavras) por tradução.

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Mastodontes punks contra o sistema

O Cory Doctorow, jornalista, escritor de ficção científica e um dos pioneiros digitais, usa um termo ótimo para o processo de estragação das plataformas digitais: enshittification (que vou traduzir aqui como merdificação). Em resumo, ele defende que todas compartilham um ciclo de crescimento e merdificação que passa por atrair o máximo de pessoas (alguém tem convite pro BluesKy aí?) com promessas incríveis, criar muros técnicos, psicológicos e financeiros para ninguém poder sair (inclua-se “usuários”, marcas, criadores de conteúdo e empresas) e, feito isso, espremer as laranjas até o bagaço.

Muitos aceitam os termos de uso e seguem suas vidas, não ligando para um anúncio mais invasivo aqui, o fechamento de pequenas lojas e veículos de imprensa acolá. Outros se adaptam e dedicam enorme energia a decifrar os algoritmos para “destravar” os perfis e alimentar as máquinas com temas, dancinhas, durações, termos e quantidade de palavras ditadas pelo punhado de donos de muros ao nosso redor.

Aldeias globais, descentralizadas e federadas

Gráfico mostrando a explosão (e posterior estabilidade) na criação de servidores do fediverso.

Muitos, mas não todos. Aí entram mastodontes, mamutes e afins. O movimento em torno das redes descentralizadas e federadas, o fediverso, vem ganhando força sobretudo com a merdificação acelerada de ambientes digitais, como o Twitter. Já são mais de 21 mil servidores e quase 9 milhões de contas, boa parte delas no Mastodon. A postura é punk na veia: “se não concorda com o sistema, faça um você mesmo.” Ao invés de uma rede global centralizada ditando as regras, temos uma profusão de pequenas comunidades digitais (as instâncias), sem mediação por algoritmos nem publicidade, que se integram entre si (a federação). No lugar de uma única aldeia global pós mcluhânica, temos milhares de ciberaldeias conectadas entre si. Milhares, mas não todas. O fediverso é e tende a ser fragmentado. Internets distintas que convivem, equilibrando a formação de laços locais (o local aqui pode ser literal, como instâncias de bairro, de cidades, de universidades, ou por interesse, como instâncias de esquerda/direita, LGBT, de geeks, torcedores do clube X etc).

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Sobre o deenério, suas características e a inviabilidade circular

Imagem conceitual do planeta terra coberto por uma substância prateada.

Miguel foi conduzido ao púlpito por uma salva de palmas protocolar. A camisa social estava grudada ao corpo, ensopada por baixo do paletó, a despeito do potente ar-condicionado que acolhia as centenas de pessoas de ciência e do mundo dos negócios dispostas pelo amplo auditório. O bolo de folhas A4 com o roteiro e dados da apresentação oscilaram até o apoio. Sem saber o que fazer com as mãos recém-libertas da papelada, agarrou a borda de acrílico para minimizar a trepidação involuntária dos dedos.

A música eletrônica alta, repetitiva e irritante cessou, recuando para os alto-falantes e deixando em seu lugar uma atmosfera pesada de expectativa, um silêncio denso entrecortado por tossidas esporádicas. Duas telas se acenderam na beira do tablado, com uma contagem regressiva marcando o tempo restante em sua apresentação. Um ponto de luz vermelha na câmera montada num braço mecânico indicava que a transmissão online daquela sessão do Congresso Mundial de Ciências e Inovação já havia começado. Na tela às costas de Miguel, uma tipologia elegante anunciava o título de seu trabalho: “Sobre o deenério, suas características e a inviabilidade circular“.

Pigarreou. Pegou o bolo de folhas e bateu-as contra o acrílico para nivelar as páginas. Captado pelo microfone, o gesto retumbou pelos alto-falantes. Deu boa noite, confirmou seu nome e instituição de pesquisa, imaginando que isso ajudaria as pessoas a descobrirem que estavam na sala errada e partissem. Ninguém se levantou. Lembrou de um conselho recebido há muitos anos, antes dos mestrados, doutorados e pós-doutorados, antes de todos os discursos de agradecimento em premiações internacionais de Ciências e Sustentabilidade: ao palestrar ou dar aulas, escolha alguns interlocutores na plateia e fale para eles, olhe em seus olhos, leia suas reações. Apresente para eles, converse com eles e tudo fluirá melhor.

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Inteligência Artificial: todo upgrade tem seu preço

Lá no século passado, além de internautas, nós, humanos que usávamos a internet, também éramos conhecidos como websurfers… as pessoas “surfavam na internet”, numa analogia ao fato de irmos deslizando de um site para o outro seguindo ondas de hyperlinks. Levou uns 5 a 6 anos para que o oceano digital que estava se formando se caracterizasse como uma grande onda, com o hype contaminando imprensa, investidores e, sempre, os “espertalhões”. Foi a bolha pontocom que estourou em 2001.

A vida é em ciclos, os hypes também. A coisa de fato promete, suas expectativas são super-uber-exageradas, muita gente ganha dinheiro, mais gente ainda coloca dinheiro no negócio, ele implode, os malandros pulam do barco e os demais ficam a ver navios. É o jogo, infelizmente (mas não inevitavelmente, papo pra outro post).

Hype Cycle do Gartner Group

Como no mar, às vezes as ondas se embaralham, o mar fica mexido, e aquela formação que prometia se esculhamba em espuma. O Metaverso foi uma dessas ondas atropeladas. Ele ainda pode retomar, com menos hype e mais conteúdo (no famoso “platô da produtividade” do Hype Cycle do Gartner Group). O atropelador? Ela, claro, a Inteligência Artificial, tema de 13 em cada 10 palestras, reuniões e conversas sobre negócios e/ou tecnologia.

O Hype é altíssimo, não sem total razão. Ao contrário do Metaverso, o impacto da IA será avassalador e disseminado, pro bem e pro mal. A razão? É claro que desconheço todas, bem como ignoro o que de fato vai acontecer no futuro, mas uma causa é clara: as pessoas.

Gif de pessoa usando óculos VR

Regra de ouro: não tire as pessoas da equação. Elas que pagam as contas e ligam os supercomputadores nas tomadas, em última instância. As pessoas, em geral, não estão sedentas por experiências virtuais em outro mundo. Mas quase ninguém vai desperdiçar a chance de poupar energia, ganhar uma dopamina extra, ficar mais inteligente e sagaz e fazer as coisas que faz melhor e mais rápido neste bom e velho planetinha mesmo. É biológico.

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Dicas de bons livros disponíveis como eBooks Kindle

2 Comentários

Incluí uma pequena seção na newsletter do Brogue com alguns dos livros que li naquele mês. Não são resenhas ou críticas literárias. É mais um diário de leitura e serve de indicação de boas opções. Sobretudo para quem aproveita as eventuais promoções do Kindle Unlimited a preços simbólicos. Resolvi compilar as quatro sugestões das duas últimas edições do The Brogue Mail. Se curtir, vale se inscrever para receber o e-mail mensal.

Capa do livro O homem do castelo alto, de Philip K. Dick

O homem do castelo alto – Philip K. Dick

Tenho alternado coisas novas com a resolução de lacunas imperdoáveis no currículo. Este clássico de Philip K. Dick é uma delas. Tem a série de TV no Amazon Prime para quem preferir (não vi). O livro se passa nos anos 60 de uma realidade em que a Alemanha venceu a Guerra, a escravidão é legal e japoneses e nazistas dividem o mundo. O que é brutalmente assustador é que a descrição de como seria um nazismo “normalizado” lembra demais as correntes de pensamento de certos grupos ideológicos atuais. Um dos papéis da ficção é servir de alerta para que ela jamais se torne realidade. de graça no Kindle Unlimited.


Devoradores de estrelas – Andy Weir

Esse livro é do autor do ótimo Perdido em Marte. Narra a aventura de um cientista numa jornada solitária para salvar a Terra. A história é incrível (tem muitos pontos similares à Interestelar, mas isso não atrapalha) e diverte enquanto ensina, pelo tom mais científico que fantástico. O único porém é que me parece que todos os protagonistas do Andy Weir têm a mesma personalidade (que imagino serem ele mesmo). Ou seja: não tem como você não confundir o herói de Devoradores… com o Matt Damon de Perdido em Marte (e Interestelar). Eu tomaria chope com todos eles, de qualquer forma.

Capa do livro Devoradores de Estrelas de Andy Weir

Capa do livro Entremundos, de Neil Gaiman

Entremundos – Neil Gaiman e Michael Reaves

Pizza, Milkshake de Ovomaltine, gol do Germán Cano e livro do Neil Gaiman. Todas essas são coisas da categoria “não existe XXX demais” (substitua XXX pela tal coisa). Ainda não tinha lido Entremundos, que começou a ser criado nos anos 90 e publicado em 2007. Não é a obra-prima de Neil Gaiman, mas encanta pela prosa suave e fluida, pelas analogias tão improváveis quanto lindas que fazem até batalhas com bruxos-piratas interdimensionais serem inspiradoras. Ler Gaiman é aprender a tecer mundos. Pra quem escreve, é uma sensação parecida com a que os jogadores de futebol devem ter ao ver o Messi ou Germán Cano em campo. Este também é um ebook grátis para quem tem Kindle Unlimited.


Antropoceno: notas sobre a vida na Terra – John Green

Preconceito é uma porcaria mesmo. Nunca tinha lido nada do John Green, pois não sou fã de “romances românticos para xovens” e fazia a mesma careta enojada que crianças fazem ao ver os pais se beijando. Até que resolvi dar uma chance. O Antropoceno está no título, mas o livro não é (só) sobre a cagada que a gente está fazendo, e sim sobre o fascinante ato de vivermos, de existirmos, e de deixarmos nossas pegadas. Boa parte das notas vem de temas abordados no podcast homônimo.

Se estiver procurando uma pegada Harari ou mais acadêmica, desista. São ensaios super pessoais (muitos deles escritos durante a pandemia), relacionados mais ou menos diretamente aos impactos de nossa existência sobre o planeta e sobre nossas dores, medos, alegrias e memórias. Para cada tema aleatório (que vão da CNN ao Super Mario Kart, da grama de jardim às 500 Milhas de Indianápolis) temos um ensaio e, ao final, uma nota de 1 a 5 estrelas (O Pôr do Sol ganhou 5 estrelas). Funciona muito bem e mostra como Green domina a arte de escrever. Para o livro de Green, eu dou 4 estrelas.

Capa do livro Antropoceno: notas sobre a vida na Terra, de John Green

Todos estes títulos estão à venda na Amazon e, claro, nas livrarias tradicionais. Uma vantagem para quem se adaptou aos ebooks/ livros digitais em leitores como o Amazon Kindle é que pode-se aproveitar a leitura de livros grátis/ ebooks gratuitos para quem assina o Kindle Unlimited, ou o programa de empréstimos para clientes Amazon Prime. Eu mergulhei 1000% nesse mundo.

Amarelinha

Pou. Pum. Caiu. Abriu os olhos. Tava morto. Ergueu-se. Os soldados ainda atiravam em sua direção. Pedro, amigo de pelotão, também fantasmou ali perto. Uns espectros chineses se aproximaram. Pou. Pou. O tiroteio seguia. A turma translúcida pegou uma pedra. Pularam amarelinha pra se despedir da Terra.


Este microconto faz parte de um desafio de se escrever histórias com máximo de 300 caracteres. Pensei num conto que se passasse numa batalha. Não é um dos contos de ficção científica que aparecem por aqui mas, sem dúvida, tem uma pegada fantástica, entre o realismo fantástico e a fantasia. Espero que tenham curtido o conto.