The Terraformers: um futuro sustentável e com ratos-toupeiras falantes, mas infelizmente familiar
Nem toda história com vacas mecânicas defensoras da Justiça, ratos-toupeiras engenheiros genéticos e alces voadores que conversam por mensagens de texto são de humor ou contos de fadas. E nem toda utopia ambientalista de sinergia total entre animais, plantas e ecossistemas é uma história feliz de cabo a rabo.
Annalee Newitz faz um excelente trabalho ao amarrar tudo isso numa trama que a gente pode enquadrar no movimento SolarPunk: a luta de personagens conectados a redes digitais contra sistemas opressores, que já conhecemos do gênero Cyberpunk, só que ao invés da trama se passar numa Tóquio escura e cheia de neon, ela se passa em meio à natureza e edifícios que brotam e respiram como plantas.
O texto é uma SciFi de primeira, assumindo o desafio de imaginar a vida em um planeta distante, Sask-E, por volta do ano 59 mil. Animais falam, robôs são pessoas, drones se casam com portas. Os Homo Sapiens (e seus descendentes) fizeram um pacto com animais, que já não servem de alimentos e são tratados (quase) com respeito. Ninguém mais come ninguém, nem no sentido bíblico da coisa, uma vez que as criaturas vivas são decantadas e raramente nascem da maneira que a gente conhece. Mas temos pegação, em modo queer galático (o que será um desafio à tradução, para tropicalizar os pronomes he, she, they).
Poderia ser uma utopia total, mas nem toda a tecnologia e as inovações incríveis, que deram a nossa espécie a capacidade de terraformar planetas distantes, viajar por meio de buracos de minhoca, trocar de corpos para viver por séculos anularam características muito contemporâneas e familiares, como a mesquinharia, o desprezo pelas classes operárias, a ganância e o poder do dinheiro.
Esse é o papel da ficção científica. Não é prever o futuro, mas projetar, imaginar cenários. Transpor elementos do hoje para cenários distantes (no tempo ou no espaço) e ver se ali, desplugados do cotidiano que camufla defeitos e vícios, eles nos gritam. Precisamos sair do nosso lugar para perceber nosso caminho tortuoso. Precisamos nos colocar na pele de uma vaca justiceira ou de um alce voador para perceber como doem preconceitos, tabus e limitações impostas por um sistema injusto.
The Terraformers é um livraço.
[ATUALIZAÇÃO MARÇO/2024]: O livro The Terraformers é um dos finalistas do NEBULA AWARDS 2024, com boas chances de levar o prêmio. Seria merecido.
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