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Para escrever um livro, escreva vários livros

Written by

Roberto Cassano
Sobre o processo criativo

Se tem meme, tem história. A profusão de memes sobre o ato de escrever ajuda a gente a perceber que não é só conosco que o processo de escrita uma narrativa de ficção é cheio de altos e baixos, avanços e retrocessos.

Escrever um livro não é um fluxo linear. É iterativo, pra usar uma expressão do mundo das exatas. São ciclos, eternos escreve-reescreve-revisa-acha uma bosta-reescreve-revisa etc.  A cada passagem, o primeiro rascunho fica menos pior, até ficar bom. Algumas vezes, ele pode ficar muito bom ou ótimo.
Só dá pra fazer a iteração, o ciclo, se você fechar o circuito ao menos uma vez. Por isso é tão importante terminar a m#%&$ da história. Não fique polindo um capítulo sem nem saber se, depois, vai ser melhor trocar o João, um porteiro, por Maria, uma engenheira, na história. 

No meu processo, eu normalmente escrevo o primeiro capítulo. É o que me faz ver se “deu liga”. Se deu, parto pra escaleta, que é começar a listar todas as cenas, até o final. Normalmente eu consigo ter o começo e o fim, mas não tenho o meio. O meio vem da forma como as personagens, como agentes autônomos, reagem aos estímulos da história.

Pra saber como eles reagiriam, qual o algoritmo de cada história, entram os documentos de apoio. Toda a parte de pesquisa, uma ficha com a biografia de cada personagem, tudo aquilo que eles trazem consigo e não necessariamente aparece no texto final, a escaleta, mapas e descritivos (às vezes). Também podem ser úteis controles de continuidade.

Costumo ter um documento só para ir anotando as revisões que já sei que terei que fazer em algum momento nas reescritas. Não confie em sua memória, registre tudo. Para esse monte de arquivos, uso um aplicativo como Evernote, OneNote, Obsidian ou afins. Mas podem ser apps e ferramentas específicas para autores, ou outras como Notion e Workflowy. No pior cenário, um DOC já resolve.
Não dá pra se apegar.

A primeira versão de IVUC era bem diferente da versão final. Algumas das cenas que as pessoas mais curtem não existiam, porque a versão original era concentrada muito mais na Terra do que no espaço. E IVUC, como um todo, quase não existiu. Eu joguei a toalha duas vezes, achando que não tinha dado liga ou que não era mais que um pastiche de outras coisas. Foi só dando tempo ao tempo (e ao texto), que equilibrei as emoções, reescrevi blocos inteiros e saiu o livro, muito querido por mim e por quem mais leu e meu primeiro lançamento junto aos Saifers.

Falando em mudanças, é preciso reforçar o valor e a importância da leitura crítica. Muitos e cruciais ajustes que fiz vieram a partir de sugestões que recebi nessa etapa. Não a negligencie.

Por fim, você verá que tanto o escrever quanto o reescrever podem ser muito divertidos e gratificantes. Não se apresse. Dê ao texto e à você mesmo o tempo necessário para entregar a melhor obra possível. Não se arrependerá.


Aproveitando para fazer uma atualização: sabe aquele livro de ficção científica ambientado em Marte? Já está com 40 mil palavras, entre o meio e o fim do segundo ato. Estou no capítulo 23. Pelas contas da escaleta, devo ir até o capítulo trinta e pouco. Já passei pela primeira crise de “isso é um engodo!”, já quase parei tudo para escrever outra ideia que me atropelou, mas segui. Ainda tem muitos ajustes de rota possíveis que vou deixar para as reescritas. Torçam por mim!

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