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Bastidores da escrita: o lado Sci da SciFi

Written by

Roberto Cassano

Comecei a trabalhar em um novo romance, que terá como cenário uma colônia humana em Marte. Uma das partes mais legais de se escrever contos ou livros de ficção científica é a pesquisa, que vai além do laboratório e do olhar sensível. Somos instigados a mergulhar nos aspectos físicos, químicos, biológicos e tecnológicos para responder às mais provocativas das questões: “E se…”

É claro que toda escrita exige pesquisa. Mesmo se for ambientada no tempo atual e em sua cidade natal. E é óbvio, também, que há espaço para imaginação. Em Budapeste, Chico Buarque nomeia as ruas da cidade em homenagem aos jogadores da seleção húngara de 1954. Quando vamos para o campo do humor, tudo é possível, do Gerador de improbabilidade infinita do Guia do Mochileiro das Galáxias às naves antiaderentes ao espaço-tempo de meu IVUC.

Mas se a ideia é construir a verossimilhança com (maior ou menor) rigor científico, é preciso pesquisar, conversar com pessoas, conjecturar cenários coerentes. E isso é bem mais divertido do que pode parecer. O desafio não é (apenas) aprender como funcionam aviões ou equipamentos de tomografia, para retratar na história. É aprender como poderão funcionar os aviões elétricos em Saturno. Ou como fazer uma viagem até Plutão, ou como seria ficar sozinho em Marte. Como o tempo passaria num planeta que orbita um buraco-negro? Há sempre espaço para a imaginação e para criatividade, claro, mas tem coisas que “não passam no teste do riso”. Já pensou escrever, agora, uma história que não seja fantástica em que a Lua é feita de queijo?

Lua de queijo, duas luas, Lua de São Jorge

Arte de Hannah Agosta inspirada nas duas luas de 1Q84.

Você pode, claro, criar um mundo em que a Lua é feita de queijo e tem um São Jorge nela. Pode ficar ótimo. Será uma história fantástica incrível, aposto. Murakami fez brotar uma lua extra em 1Q84. Amo e escrevo várias narrativas neste estilo, sobretudo na pegada mais de realismo fantástico. Na dúvida, tudo pode. Mas a ficção científica permite esse olhar da “Hard SciFi“, que se baseia em criar a mais bacana, original e instigante história que tente respeitar ao máximo os princípios científicos.

É como um exercício de futurologia, de design. Como a ciência poderia evoluir até permitir a coisa X no futuro? A coisa X pode ser viagens interestelares (daí as “invenções” dos túneis espaciais, do motor de dobra, do hiperespaço etc), estações espaciais como as de 2001, megacidades submarinas etc etc etc.

A melhor coisa para se fazer em Marte? Sair de lá.

No meu caso, preciso imaginar como vamos resolver os muitos problemas para a colonização de Marte. O fato é que viver em Marte é uma das mais problemáticas ideias para o futuro da humanidade. O planeta parece feito para nos matar. A atmosfera é rala e tóxica, o clima é frio e extremo, não há proteção contra a radiação espacial e a gravidade é de cerca de 1/3 da nossa.

A listinha de coisas a se resolver antes de tentarmos pagar IPTU lá é enorme. Dá, claro, para montar uma base e ir mantendo o local habitado, como fazemos com a Estação Espacial Internacional e como foi imaginado em Perdido em Marte. Mas viver, com humanos se reproduzindo, nascendo e crescendo no Planeta Vermelho? Bem, isso ainda depende de muitos dependes.

“Dependes” que eu preciso resolver para essa tal história que estou escrevendo e que espero que se concretize em um novo livro de ficção científica ainda em 2024. Por isso, enquanto trabalho a parte dos personagens e rabisco os capítulos iniciais, preciso sentar, pesquisar, ler muito, conversar com algumas pessoas e imaginar como a ciência pode viabilizar essa colônia marciana daqui a um ou dois séculos. São vários estudos, questionamentos, calorosos debates em fóruns e conversas com quem entende. Felizmente, as pessoas se fazem essas perguntas há bastante tempo, então há farto material para consulta.

Jogar para um futuro razoavelmente distante é sempre uma forma de ajudar o pobre escritor. Da mesma maneira que temos no presente coisas que seriam inimagináveis e meio fantásticas para um autor em 1853, dá para imaginar descobertas e invenções da mesma magnitude para o mesmo período daqui pra frente. É a tecnologia que, de tão avançada, se parece com mágica. A escolha (uma escolha, não uma imposição) é definir o quanto de pó de pirlimpimpim mágico permitiremos.

Mesmo a mais Hard das ficções precisa supor que alguma descoberta será feita ou tecnologia será viabilizada. Pode ter um balde de pirlimpimpim (Star Wars, ficções científicas de humor ou mais leves, ou as que se mesclam à fantasia, como as que possuem mundos fantásticos) ou quase nenhum pirlimpimpim (mas sempre tem algum), como nas Hard SciFi (aí incluindo obras de Arthur C. Clarke, Asimov e outros). Mas a verdade é que sempre tem. Em IVUC, as naves são alimentadas por uma pequena estrela em fusão nuclear constante. Mas como os súfteros, povo que inventou a tecnologia, chegaram lá, nem eu sei. É Científica, mas antes de tudo ainda é Ficção. E ficção é abrir as portas da imaginação. Escrever ficção é mentir com segurança e convicção. Como toda mentira, precisa ser crível para ter efeito.

Já aprendi sobre as ideias para proteger os humanos da radiação, vi que os problemas de ordem biológica são enormes e a gravidade é o grande problema a ser contornado, até porque não há maneira de manipular essa força. Espero que, em breve, vocês possam aprender, se divertir e se emocionar junto comigo e com as personagens.

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