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Quase austronauta

Written by

Roberto Cassano
Painel de controle de uma cápsula espacial.

Ouvi um crec. Ninguém falou que ia fazer crec. Quero ir embora. Não posso. São umas cinco fivelas me prendendo. Agora foi um tchunfa? É, com certeza um tchunfa. Ai caramba. Não quero mais. Preciso sair. Alguém me deixa ir embora!

Onde fica o botão de pânico? Não tem. Que astronauta ia precisar de botão de pânico? Tem uns mil botões aqui no painel da cápsula. Não alcanço nenhum. A barriga ronca. É fome. Me tremo todo. Não. Tá tudo tremendo também. Tremendo, fazendo crec e tchunfa. Agora começou um xuuuuuu igual ao da fumacinha subindo quando Aurora tá passando roupa e deixa o ferro de passar em pé pra ver se os meninos tão aprontando alguma coisa. Costumo me pirulitar na hora do xu, mas agora não posso. A vontade é de correr e me esconder debaixo de uma cadeira. Mas como, se estou preso? São umas cinco fivelas.

Os cheiros são ruins. Nenhum cheirinho de comida. Vai ter comida? Também não tem cheiro de ninguém conhecido. Quando me soltar vou deixar meu cheiro aqui. Será que vão me soltar? Eles soltam de lá? Tipo o controle remoto da televisão? Aperta do sofá e muda a imagem na caixa grande? Ou preciso dar um jeito daqui?

Só se tentar morder depois. Mas não agora. Tô tremendo demais. É muito crec, tchunfa e xuuuuuu prum dia só. Apagou a luz. Tá escuro. Eles pensam que sou um gato? Vou ficar no escuro? Aqui não tem janela, esse treco deve se pilotar sozinho. Mas no escuro e todo amarrado? Já tá virando maldade. Cadê os ativistas pra defender a gente? Tem uma luz vermelha lá no canto. Se virou pra mim, tão me filmando. Fiz uma cara bem feia pra câmera, pra verem minha desaprovação. Vai que desistem? Começou uma contagem.

Dez. Vão tocar a contagem pra mim? Nove. Legal da parte deles. Ao menos isso. Oito. Agora um fleeeeeeeeeee enorme, tipo barulho de chuveiro. Sete. Começou a tremer tudo mais ainda. Meu rabo tá coçando. Seis. Preciso coçar o rabo. Ai meu rabooooo… cinco. Minha Laika senhora, me acuda, o barulho é muito alto. Quatro. Já tava escuro. Agora tá mais ainda. Três. Parou o fleeeeee. Nem tá tremendo mais. Silêncio.

Cadê o dois? A luz acende. Ouço os clecs de novo, e um tchunfa amigável. Depois vem um screeeench. Uma luz forte vem pela escotilha. É um humano! Ele entra, a cara meio fechada. Fico com pena dele. Aproxima-se, fazendo não com a cabeça e bufando, aperta um botão e as fivelas se soltam. Era fácil, não sabia. Pulo no colo dele. Ele sorri, me dá tapinha nas costas e fala alguma coisa. Dou umas boas lambidas pra agradecer o resgate. E aproveito pra morder meu rabo, que coçava pra caramba.

Conto publicado originalmente no site Escrita Criativa.

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