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Onde fica o centro urbano no pós-pandemia?

Written by

Roberto Cassano

Centro do Rio, em foto de 2010

Quase todas as cidades tem um “Centro”. Um “marco zero”, um ponto de confluência. Às vezes é uma pracinha com uma igreja. Em outras, uma região essencialmente comercial com prédios altos e bom acesso pela malha de transporte público.

Os centros urbanos são espaços de encontros fortuitos, de troca de ideias em cafés. Quando todos estão dedicando suas vidas de trabalho por ali, é fácil promover encontros físicos, tudo está ao alcance de uma caminhada.

Quando você diz que “vai ao Centro”, não é preciso explicar “qual” centro. Mas o centro geográfico e o centro de gravidade econômica e social nem sempre estão sobrepostos. Nas duas principais cidades brasileiras, por exemplo, há alguns anos eles estão se afastando. Desde o início do século, pelo menos, o que efervesce em São Paulo é a região da Berrini, da Faria Lima. Como trabalho com internet e tecnologia desde sempre, diria que 70% dos meus compromissos profissionais em Sampa foram nessa região, e não na Avenida Paulista, coração do “centro geográfico”, e muito menos próximo à Sé, onde fica o Marco Zero da capital paulista.

Se as reuniões em São Paulo foram em condados farialimers, o centro de gravidade profissional aqui no Rio migrou em 2008, quando troquei o agitado Centro do Rio pela distante Barra da Tijuca. Em 12 anos centralizado em escritórios na Barra, vi mais e mais empresas próximas, ou na Zona Sul, que fica a meio caminho do novo Centro e do antigo.

As idas ao Centro carioca eram mais comuns que às ao centro paulista, mas quase tão cansativas quanto: não é simples se deslocar pelo Rio de Janeiro.

Então veio a pandemia, e o centro de gravidade mudou novamente de lugar. Já não era na Rio Branco, nem na Faria Lima e nem nos assépticos centros comerciais na Barra. O centro veio para casa. Meu centro de gravidade profissional e pessoal se juntaram, com o home office. E, para surpresas de muitos, ele funciona muito bem, obrigado.

Se o crescimento dos condados paulistas e da Barra já deterioravam o contexto dos centros tradicionais, a pandemia foi um golpe duro. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, lançou pelo Twitter um apelo para que o futuro presidente da Petrobras reveja a decisão de tornar permanente o teletrabalho, alegando que esta decisão fere mortalmente o centro da cidade.

Primeiro, é preciso ter em mente que o processo de degradação e de mudança de papel e perfil começou antes, com a descentralização da atividade econômica. Segundo, essa moeda tem dois lados: é claro que estabelecimentos, restaurantes e a própria malha de transporte público foram concebidos considerando um afluxo diário de milhares de pessoas para essa densa região. Por outro, há um custo e impacto enorme nisso, pois diariamente, milhares de pessoas deslocam-se de bairros e municípios distantes para cumprir suas rotinas: com isso, há grande desperdício de tempo dessas pessoas, fatores de risco para proliferação de doenças nos transportes lotados e pesada emissão de gases poluentes em todo o processo. Além disso, se os estabelecimentos comerciais do centro podem contar com enorme afluxo de pessoas e dinheiro, cria-se bolsões nos bairros e municípios vizinhos sem atividade econômica relevante. Bairros e cidades-dormitório.

Não faz sentido impor que milhares de pessoas dediquem duas, quatro, seis horas de seus dias em transportes públicos para ir para um único ponto e fazer um trabalho que poderia ser perfeitamente feito de forma remota apenas a troco de preservar o status quo destas importantes regiões das cidades.

Não é caso de se abandonar os centros, mas de repensá-los. No longo prazo, os centros urbanos não serão mais espaços de concentração de produção e trabalho, mas locais de encontro. A vocação dos centros urbanos está em eventos, em cultura, em turismo. Em sua História. Nos encontros em cafés e restaurantes, ainda que os participantes destas reuniões não estejam mais a apenas alguns passos uns dos outros. Em espaços abertos — lembra da pracinha que marca o centro nas pequenas cidades? — de convivência e, por que não, áreas verdes.

O futuro dos centros está mais nas centenas de bicicletas da Av. Paulista aos domingos e no reurbanizado trecho para pedestres da Av. Rio Branco, de onde se vê o belíssimo Teatro Municipal, monumentos e restaurantes tradicionais, do que nas calçadas dos dias de semana, em que filas dos restaurantes por quilo disputam espaço com ambulantes.

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