Os fins justificam os fakes?
No final de novembro, o incrível podcast Radiolab, da WNYC, publicou o episódio Breaking Bongo, sobre a luta virtual de gaboneses exilados contra o ditador Ali Bongo e seu regime. Ao longo de uma hora de histórias e depoimentos, o programa nos apresenta o uso das redes sociais e da mídia digital em geral como armas de guerra. No caso, a guerra contra uma ditadura que controla os meios oficiais de comunicação.
Tudo é tristemente familiar para a gente. É impossível não encontrar vários paralelos e perceber que, no caso do Gabão, as fake news acabam sendo utilizadas por ambos os lados, inclusive com suspeitas de uso de deep fakes para fazer o presidente, que tinha sofrido um derrame, falar à Nação como se nada tivesse acontecido.
Ao final, os jornalistas apresentam uma provocação que volta e meia nos assola também: há alguma justificativa moral para se usar fake news? Se elas são uma arma, são uma arma que os “mocinhos” podem usar? Existe fake news do bem? Ou fake news são como armas químicas, em que seu uso jamais se justifica?
Conexão Gabão-Brasil
Dias depois do episódio ir ao ar, a jornalista e deputada federal Joice Hasselmann, algumas vezes acusada de plágio ou de disseminar inverdades enquanto apoiadora do atual governo (ainda democrático) do Brasil, foi a uma comissão parlamentar de inquérito para expôr a rede de fake news supostamente conduzida pela família do presidente.
O conteúdo apresentado ainda precisa ser comprovado, mas indícios não faltam, inclusive de outras fontes. No caso gabonês, a rede virtual de informação (e, depois, também de desinformação) foi criada de forma descentralizada pela diáspora de gaboneses sobretudo nos EUA e Europa, como forma de levar um contraditório aos moradores do país reféns da imprensa local, controlada (ou cerceada) pelo governo. No caso brasileiro, seguindo o molde pré-eleitoral e também de outros movimentos, como o Brexit e as eleições americanas, a rede virtual parte do Governo. Inclusive, a denúncia de Joice reforça dados já relatados pela imprensa de que muitos dos articuladores são funcionários públicos em gabinetes e departamentos da Administração.
Os fins não justificam os fakes
Curioso entender (ou descobrir) o papel da imprensa tradicional nessa batalha e não deixarmos de lado a questão inicial. Acredito que não haja qualquer dúvidas sobre a imoralidade de uma máquina de fake news plantada e nutrida pelo Governo. Mas e se fosse o contrário? Se fosse como no Gabão? Uma fake news pode ser usada na luta para derrubar um regime ditatorial? Pode-se esperar qualquer efeito benéfico de uma mentira? Rebater mentiras com mentiras faz algum bem ao debate político?
Não tenho a resposta. Mas, como jornalista de informação, não consigo aceitar que manipular os outros por meio de dados falsos ou mal-interpretados seja aceitável. É claro que a imprensa erra, mas errar é diferente de distorcer a realidade deliberadamente. Quando blogamos, quando postamos, quando abrimos uma live, estamos naquele momento nos posicionando como veículo, como fonte, estamos fazendo jornalismo. Uma coisa é dar opinião, outra é apresentar um fato. Fatos são fatos. Se forem distorcidos tornam-se narrativas, e isso é outra coisa. E não é o que o leitor/espectador espera.
Se informação é uma arma de guerra, a verdade será sempre a mais poderosa.
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