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Homens de posse

Written by

Roberto Cassano

O amigo Henrique Sanches, o Cavaleiro do SciFi, me desafiou a participar de seu projeto, em que autores criam minicontos com base em artes incríveis que ele cria/ seleciona. Me passou duas imagens para eu escolher e acabei escrevendo histórias sobre ambas. Os estilos e gêneros diferem, mas os contos giram em torno de homens deploráveis, que exercitam a possessividade e a objetificação feminina sem pudor. Uma com uma pegada de ficção científica e a outra mais de realismo fantástico/ fantasia.

O primeiro miniconto está no Instagram e o reproduzo abaixo:

Arte digital de uma androide feminina de olhos azuls.

A outra

Os dois homens observavam a androide sentada à frente deles.

– Ficou idêntica, igualzinha a ela. Meus parabéns.

– Obrigado, senhor.

– Ela vai conversar, andar, participar de jantares, essas coisas?

– Tudo, senhor. Como a de verdade. O processamento de linguagem é dos mais avançados.

– E… fazer aquelas coisas também, certo?

O rapaz sorriu e desceu alguns centímetros do zíper no casaco da robô, revelando seu colo.

– Sim, com dedicação que o senhor jamais viu.

– Ótimo. Ela… – o homem se abaixou e encarou os olhos azuis da androide, como se tentando ler algo em sua íris – ela vai me amar?

– Incondicionalmente. Mais que tudo.

– Bom, muito bom. E vai me obedecer sem questionar?

– Como a um mestre.

O homem retirou a carteira do bolso de trás e sacou o cartão de crédito. Aproximou-se do rapaz e cochichou em seu ouvido:

– A outra, a original, vocês…

– Incinerada, senhor, conforme o pedido.

– Excelente. Então acho que é isso. Vamos, Antônia. Dessa vez seremos felizes para sempre.


A segunda história segue abaixo. Ela foi inspirada em uma arte incrível de Wenqing Yan.

Arte de uma menina presa em um jarro, como um terrário.

Terrário

Arlindo deu duas voltas na chave, trancando a porta da loja de artigos botânicos. Dobrou o jaleco sobre o balcão e desceu a escada caracol até o porão. Abriu um sorriso fascinado no reencontro diário com seu tesouro: dezenas de terrários contendo biomas em miniatura.

Verificou as condições de cada um, até chegar a uma caixa de metal gradeada, trancada por cadeado, contendo um único jarro. Abriu a porta e retirou o terrário com cuidado.

Acariciou o vidro e apreciou o conteúdo. Várias espécies de gramíneas e folhagens miniaturizadas ao longo de gerações. Mas não só. No terrário, também havia borboletas milimétricas. Ao sentir-se esquadrinhada pela enorme face sedenta de barba rala branca, a pequena fada levantou o rosto cansado dos joelhos dobrados, olhou para Arlindo com olhos vitrificados e voltou-se para um sutil reflexo de luz na parede do jarro. “Ela está crescendo”, pensou o homem. “Preciso trocar para um jarro maior.” Dessa vez, ele terá cuidado redobrado. Na última troca, há uns cinco anos, Sininho quase fugiu.

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