Homens de posse
O amigo Henrique Sanches, o Cavaleiro do SciFi, me desafiou a participar de seu projeto, em que autores criam minicontos com base em artes incríveis que ele cria/ seleciona. Me passou duas imagens para eu escolher e acabei escrevendo histórias sobre ambas. Os estilos e gêneros diferem, mas os contos giram em torno de homens deploráveis, que exercitam a possessividade e a objetificação feminina sem pudor. Uma com uma pegada de ficção científica e a outra mais de realismo fantástico/ fantasia.
O primeiro miniconto está no Instagram e o reproduzo abaixo:
A outra
Os dois homens observavam a androide sentada à frente deles.
– Ficou idêntica, igualzinha a ela. Meus parabéns.
– Obrigado, senhor.
– Ela vai conversar, andar, participar de jantares, essas coisas?
– Tudo, senhor. Como a de verdade. O processamento de linguagem é dos mais avançados.
– E… fazer aquelas coisas também, certo?
O rapaz sorriu e desceu alguns centímetros do zíper no casaco da robô, revelando seu colo.
– Sim, com dedicação que o senhor jamais viu.
– Ótimo. Ela… – o homem se abaixou e encarou os olhos azuis da androide, como se tentando ler algo em sua íris – ela vai me amar?
– Incondicionalmente. Mais que tudo.
– Bom, muito bom. E vai me obedecer sem questionar?
– Como a um mestre.
O homem retirou a carteira do bolso de trás e sacou o cartão de crédito. Aproximou-se do rapaz e cochichou em seu ouvido:
– A outra, a original, vocês…
– Incinerada, senhor, conforme o pedido.
– Excelente. Então acho que é isso. Vamos, Antônia. Dessa vez seremos felizes para sempre.
A segunda história segue abaixo. Ela foi inspirada em uma arte incrível de Wenqing Yan.
Terrário
Arlindo deu duas voltas na chave, trancando a porta da loja de artigos botânicos. Dobrou o jaleco sobre o balcão e desceu a escada caracol até o porão. Abriu um sorriso fascinado no reencontro diário com seu tesouro: dezenas de terrários contendo biomas em miniatura.
Verificou as condições de cada um, até chegar a uma caixa de metal gradeada, trancada por cadeado, contendo um único jarro. Abriu a porta e retirou o terrário com cuidado.
Acariciou o vidro e apreciou o conteúdo. Várias espécies de gramíneas e folhagens miniaturizadas ao longo de gerações. Mas não só. No terrário, também havia borboletas milimétricas. Ao sentir-se esquadrinhada pela enorme face sedenta de barba rala branca, a pequena fada levantou o rosto cansado dos joelhos dobrados, olhou para Arlindo com olhos vitrificados e voltou-se para um sutil reflexo de luz na parede do jarro. “Ela está crescendo”, pensou o homem. “Preciso trocar para um jarro maior.” Dessa vez, ele terá cuidado redobrado. Na última troca, há uns cinco anos, Sininho quase fugiu.