Diário de viagens – leituras de julho
Se não deu pra viajar a lugar algum nas férias escolares, – o trabalho não deu trégua – tive a oportunidade de visitar lugares remotos e misteriosos.
A primeira parada foi nos corações de homens solitários, guiado pela caneta sempre mágica e precisa de Haruki Murakami, um dos autores que mais li na vida (ao lado de Neil Gaiman e Asimov). Mas ainda não tinha me debruçado sobre Homens sem mulheres, de 2014. São sete histórias que se passam no murakamiverso, o Japão real e mágico do autor, em que coisas fantásticas acontecem e as pessoas possuem opiniões e percepções profundas sobre a vida o universo e tudo mais.
Não seja uma pessoa sem Murakami
Três contos formam a base do belíssimo e longo filme Drive My Car, ganhador do Oscar: Drive My Car, Kino e Sherazade. Uma característica marcante (e por vezes irritante) de Murakami funciona bem em contos, que são os finais súbitos e abertos de suas histórias. Em contos, são parte do jogo, não é uma catástrofe se Murakami diz que vai comprar cigarro ou virar o lado do Revolver na vitrola assim que termina de tocar “She Said She Said” e some no meio da narrativa.
A coleção é uma boa amostra para quem ainda não teve coragem de dar chance a romances como 1Q84, Kafka à beira-mar, Norwegian Wood e Caçando carneiros. São personagens reais, humanos, com um mergulho em ruas, estações de trem e bairros do Japão. E construções belas como “Aceitou o isolamento, o silêncio e a solidão de forma bem natural, como a terra seca aceita a chuva.” (do conto Kino).
Pé na areia com Muad’Dib
A segunda parada foi em um universo distante e árido, uma Tatooine sem Jawas mas com armaleses, muralhas-escudo, vermes gigantes (poucos) e muita intriga política e drogas geriátricas e prescientes. Com Messias de Duna, de Frank Herbert, segui acompanhando a saga da família Atreides agora com Paul Muad’Dib completando 12 anos como imperador da galáxia.
O livro se aprofunda na psiquê dos personagens e de seus conflitos. No lugar do “grande poder com grandes responsabilidades” do Homem-Aranha, Herbert nos mostra que com grande poder vem uma angústia danada, uma perda de liberdade, um remorso por ter matado alguns bilhões de pessoas e uma vontade quase suicida e auto-sabotadora de retomar as rédeas da própria vida. Paul, criatura de enorme poder, consegue ver o futuro mas ainda assim reluta em enfrentá-lo. É, antes, uma angústia de saber que caminha para o precipício.
É um livro mais lento e instrospectivo que o original. Personagens queridos retornam (não exatamente vivos) e somos apresentados a novas criaturas, como os dançarinos faciais e os pilotos-peixes da Guilda. O predomínio humano é menor que no Duna original. E Arrakis, o planeta Duna, cada vez mais verdejante e irrigado, é uma prisão a cada segundo mais árida para os protagonistas.
Vale, também, como alerta contra radicalismos e os vários jihads com que nos deparamos, as lutas cegas e apaixonadas em torno de ideias e religiões. Jornadas que, não raro, nos cegam.
Próxima parada: Plutão
A jornada seguinte foi longa. Durou dezenove anos, pra ser mais exato. Em Horizonte Limite, de Rogério Pietro, acompanhamos viagem da astronauta Helen Knox ao planeta-anão. Mas o que motivaria uma viagem tão distante, para um recém-rebaixado à Série B planetária? Sinais de vida inteligente. Um povo que, dada sua discrição e opção por morar tão longe, compartilham comigo a pouca vontade de interagir com vizinhos.
Por isso, nossa primeira identificação é com os plutonianos, mas elas não terminam aí. Um dos mais robustos livros da ficção científica brasileira, Horizonte Limite segue a linha Hard SciFi. Ou seja, são obras de ficção que buscam respeitar ao máximo os princípios científicos e demandam um enorme trabalho de pesquisa. O livro conversa muito com as obras de Andy Weir, como Perdido em Marte e Devoradores de Estrelas. Em comum, um cuidado enorme em ser quase educativo ao explicar como e porque as coisas funcionam (você nunca se preocupou com a cozinha e a reciclagem do xixi na Millennium Falcon, por exemplo), e a solidão.
Jornadas são solitárias, por definição. Mesmo que você entre num ônibus para Plutão com toda a turma do Ensino Médio cantando “rema, rema, rema, remador” daqui até lá (serão 9 anos de rema rema só na ida), só o viajante sabe como experimenta cada passo de seu trajeto. Cada momento é único, e íntimo. E nunca voltamos da mesma forma.
Que o diga Helen, que optou se isolar da espécie humana ao retornar e guardar para si o que viu ou não viu. Nossa viagem, como leitores, é acompanhar a solidão do trajeto, angustiados pela deteriorização da vida na Terra (em que tampouco sabemos lidar com nossos vizinhos) e mergulhar cada vez mais na psiquê da astronauta mas, também, de nossa espécie.
Comments are closed.