Skip to content

Anticlímax

Written by

Roberto Cassano

Me vi pensando no quão frustrante é essa situação. Em trinta anos como astrônomo amador e ufólogo, jamais poderia sequer imaginar uma forma tão anticlimática para nosso Primeiro Contato. É de querer abandonar a profissão, embora soe estranho chamar de profissão algo que nunca tenha me dado um real em todo esse tempo de trabalho duro.

Quanto foi imaginado, sonhado, esperado! Naves gigantes, ordens de “levem-me a vosso líder”, parasitas que explodem em nossos peitos, caçadores com roupas invisíveis, seres mutantes, objetos flutuantes querendo se comunicar conosco, aliens fofinhos de dedos luminosos, pequenos homens verdes, cubos ciborgues assimiladores de gente,  discos voadores abduzindo vacas, sondas inseridas em locais estranhos.

Fox Mulder abandonaria a profissão. H. G. Wells jamais escreveria uma só palavra. Arthur C. Clarke diria que o melhor seria nunca termos tirado os olhos do chão. Kirk preferiria ser pastor de ovelhas.

Tem uns meses que começou, ninguém sabe ao certo. Só isso já é uma catástrofe. Não existe um “Dia D”, um Dia da Chegada para comemorarmos, um marco que simbolize nossa futura adesão à Federação de Planetas. Não teve. Apenas a percepção, pelos números do sistema de saúde, pelos telefonemas para os RHs das empresas e pelas faltas nas chamadas escolares, de que os casos de diarréia estavam ficando bem mais comuns.

E só aumentaram, contaminando mais e mais pessoas. Entre todas as possibilidades elencadas, ninguém suspeitou de origem extraterrestre. Outra blasfêmia, pois sempre foi o contrário. Algo estranho no radar? OVNI! Marcas no milharal? UFO! Criatura misteriosa em Varginha? ET! Caganeira generalizada? Virose.

Mas não era virose. Nem contaminação na água, nem bactérias.

Médicos sanitaristas ficaram empolgados. Talvez os únicos, além dos fabricantes de papel higiênico e de medicamentos para reposição da flora intestinal. Relembrando os anos de pandemia, escolas e empresas optaram por continuar com suas atividades remotamente, mais por uma questão de insuficiência de banheiros em suas instalações.

Não eram diarréias fatais, tampouco um ebola ou um fungo transformador de pessoas em zumbis, essas coisas que também poderiam tornar o caso mais relevante. Você se esvaía por uma semana mais ou menos, depois ficava bem. Não me lembro de ter lido nada sobre mortes.

Só se considerou que a verdade poderia estar lá fora quando rastrearam os casos até o cagão zero, digo, paciente zero. As primeiras corridas ao banheiro batiam com alguns epicentros da corrida espacial, próximo de armazéns onde foguetes reutilizáveis eram armazenados depois de pousos bem-sucedidos.

Coincidentemente, todos tinham participado de missões para a nova Estação Espacial. E, também coincidentemente, a Estação tinha sido atingida dias antes por uma intensa chuva de estranhos meteoros de baixa densidade, que não danificaram a estrutura. Apenas forçaram astronautas a executar caminhadas espaciais para limpar as janelas que estariam mais “no clima” se fossem o pára-brisa de um Jeep 4×4 depois de um rally.

A causa de tudo poderia ser o estranho meteoro fofo e marrom-esverdeado.

Depois de semanas de análises clínicas em todo o mundo, descobriram um elemento esquisito nas fezes estudadas, que definitivamente era orgânico mas cujo DNA não se assemelhava em nada ao de qualquer outro vírus, bactéria ou ser vivo conhecido na Terra. 

Nosso primeiro contato foi batizado como FZ-1. O visitante extraterrestre era algum tipo de bactéria ou microorganismo que veio na roupa suja da Estação Espacial e provocou diarréia em meio mundo.

Muito frustrante.

Eu posso mostrar para vocês todos os recortes, fotos e evidências que reuni ao longo das últimas décadas, como tudo apontava para um momento mágico para a humanidade. Mas só depois, pois agora estou no banheiro, expulsando alienígenas de meu corpo, como outros milhões de terráqueos mundo afora.

A televisão na sala está passando desenhos animados. Aliens por todo planeta e a situação é tão constrangedora que nem se dão ao trabalho de cobrir. Cobrir o que? Pessoas com cólica?

Quero sair do banheiro, mas a sensação é de que ainda há serviço a fazer. Sigo por aqui mais um pouco, refém deste xenomorfo intestinal. Sinto vontade de chorar. Nem um pulso eletromagnético, nada explodindo a Casa Branca. Nenhum monolito nos ensinando a arte de criar e de destruir. Frustrante.

Ouço a vinheta do alerta do noticiário interrompendo o Scooby-Doo. Me estico para tentar ver o que aparece na tela pela porta aberta do banheiro, sem me arriscar a abandonar o posto. Vejo a imagem de uma repórter. Deve estar de plantão, pois já tinha entrado ao vivo mais cedo para falar de um engarrafamento.

Ela fala algo sobre uma estação de esgoto que fica aqui perto. A tela mostra um objeto que parece uma nuvem gigantesca flutuando sobre a estação. É marrom. E realmente enorme. Do meu ângulo nada favorável, tentando espiar a televisão sentado no trono, parece-me que tem uma espécie de chuva ao contrário ligando a estação de tratamento à nuvem, com gotas escuras subindo ao invés de descerem. Quando a jornalista ia dar alguma outra informação, uma voz retumbante quase estourou o alto-falante da TV, vinda da tal nuvem marrom:

— Levem-me a vosso líder.

Este conto faz parte da coletânea Caixa de Futuros.


Previous article

Saudade dos tatuís

Next article

Pão de Ontem

Join the discussion

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.