Um fim, um começo
Os irmãos brincavam com uma bola enquanto ela fechava as malas. Quatro volumes, um para cada membro da família. É tudo que levariam de seu planeta cada vez mais desértico. Ergueu os olhos para além da redoma de vidro, instalada há muito tempo, quando se percebeu que a deterioração do clima era irreversível. Uma tempestade de areia vermelha se erguia no horizonte.
Procurou pelo marido, que ainda não tinha retornado do espaçoporto de onde partiriam para a nova casa. A bola veio quicando, indiferente a sua inquietação e aninhou-se entre seus pés. Os meninos agora estavam agora sobre umas caixas, posicionando as mãos em forma da aba de um boné sobre os olhos, espreitando o céu azulado do anoitecer que começava a pipocar de estrelas.
— É qual delas, mamãe?
— É aquela na direção do Sol poente, a mais azulada.
— É tão pequena. Vai caber todo mundo?
Ela riu, algo que não fazia há muito tempo. Eles eram os últimos habitantes a deixar o planeta moribundo, cada vez mais desértico e desolado. Preocupava o casal, mais do que a solidão de ter ficado para trás por serem cientistas-chefes da missão de evacuação planetária, a angústia de não terem recebido qualquer comunicação de retorno das muitas naves que partiram antes deles para o planeta vizinho.
— Sim, vai caber. Na verdade, é um planeta maior do que esse, mas inabitado. Vocês vão adorar. É muito parecido com nosso próprio mundo, como ele era tempos atrás, cheio de verde e de água.
As crianças seguiram olhando para o céu, incrédulas. Ela também se corroía de insegurança e medo. Nenhum sinal das expedições anteriores.
Haviam decidido mudar o lugar de pouso, um outro continente no novo planeta. Provavelmente nunca mais encontrariam outros de seu povo. Mas se o local das aterrisagens anteriores oferecia algum perigo, o que explicaria o silêncio por tanto tempo, a família teria mais chances de encontrar um lugar amistoso para reiniciar a longa caminhada da espécie.
Empilhou as malas fechadas sobre um carrinho. O céu já estava totalmente escuro e estrelado. Pouco se via das dunas e rochas avermelhadas fora da redoma. Um silêncio mortal imperava, quebrado somente pela voz do marido, que retornava do espaçoporto.
— Eva, a nave está pronta. Podemos partir.
Este conto faz parte da coletânea Caixa de Futuros, disponível na Amazon.
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