Supremacia móvel e a sinuca de bico da imprensa
De cada 100 minutos gastos em plataformas digitais no Brasil, 85 são em dispositivos móveis. Os dados são do estudo Global State of Mobile, da ComScore.
Dentre os países avaliados, só perdemos em tempo dedicado aos celulares para Indonésia e Índia, ambos com impressionantes 91%.
A supremacia móvel não surpreende: os celulares são os dispositivos que viabilizam a inclusão digital e as aplicações que mais trouxeram brasileiros para o mundo digital eram justamente as mais mobile friendly, como as redes sociais e os mensageiros instantâneos.
Desta avalanche de minutos online via dispositivos móveis por brasileiros, 92% deles são em apps. Apenas uma pequena fração do tempo é dedicada à navegação. Entre os muitos insights que se pode tirar destes dados, há uma reflexão sobre os futuros da comunicação e a crise na imprensa.
Conteúdos em textos longos — o principal produto da imprensa e do jornalismo — estão longe de ser os mais indicados para consumo nas pequenas telas verticais dos telefones. Acessados prioritariamente a partir de aplicativos, como WhatsApp e Facebook, os veículos são consumidos de forma fragmentada — mais ou menos como músicas são ouvidas isoladamente e não mais nos álbuns de origem.
Há uma tendência de contínua deteriorização da identidade dos veículos. Assim como já não se percebe a curadoria de um álbum ou da gravadora ao se ouvir uma faixa no Spotify. Esse consumo fragmentado, infiel e a conteúdos preferencialmente curtos, ou em vídeo, apenas apresentam ainda mais desafios para modelos de pay-wall, assinaturas ou qualquer fonte direta de receita pelos veículos.
O site Poder 360 compilou números que demonstram o severo decréscimo na tiragem impressa de jornais brasileiros e alta — porém modesta — nas assinaturas digitais. Por exemplo, a Folha de S. Paulo, perdeu 125 mil exemplares de tiragem média diária nos últimos 5 anos, enquanto ganhou 82 mil assinantes digitais. A receita do assinante digital, porém, é pequena face ao leitor de banca. E com tão pouco tempo dedicado a navegar por sites, abertos ou fechados, e pouca garantia de que o próximo link recebido no grupo de zap vai apontar para o mesmo jornal, são cada vez mais frágeis os argumentos para se pagar por essas assinaturas.
Não se consome sites, jornais e revistas como se consome, e paga-se por, Netflix, Spotifys e afins. E ainda não há uma solução bem-sucedida que garanta uma geração digna de receita para quem produz conteúdo de qualidade, nem uma linguagem de fato efetiva que leve informação de qualidade pensada para consumo em celulares.
O problema não é só de receita, é de qualidade. Se os textos longos não funcionam no celular, ficaremos condenados aos conteúdos rasos e falsos das redes sociais? Se os veículos levam seus conteúdos para as redes, ficam sem receita. Se exigem a visita aos sites, ficam sem leitores. Sinuca de bico.
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