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Mais leituras e uma novidade dupla

Written by

Roberto Cassano

Perdi o controle mensal de leituras. As que estavam iniciadas acabaram atropeladas por outras. Planos foram revistos, novidades aceitas, devoramentos de páginas substituídos por outras tarefas. Enfim, a vida. Fato é que consegui uma mistura eclética de estilos, eras, autores e gêneros. Quantidade não é qualidade, ou vice-versa.

Como estou nos preparativos finais para um lançamento (!) duplo (!!) de contos reeditados mais inéditos (!!!), tanto de ficção científica quanto de realismo mágico/ fantástico (!!!!), do qual falarei mais para quem aguentar chegar ao final deste post, dei atenção especial ao formato.

Mudarei a forma de agrupar os lidos também. Se preferirem as mini-resenhas antigas, protestem nos comentários que ou eu revejo ou ignoro os apelos.

Dose tripla de Saifers

Em geral falo das leituras Saifers ao final dos posts, para não me acusarem de bairrista (publico meus arroubos SciFi pelo selo), mas serei bairrista sim. Afinal, foram 3 obras lidas, fora mais de uma dezena de betagens.

Começando pela mais recente, Guerreiras Amazonas (Saifers), de Rogério Pietro. Grande nome do amazofuturismo, Rogério nos apresenta uma narrativa que mescla ficção histórica e SciFi, tendo como base o manuscrito Descobrimento do Rio das Amazonas, escrito pelo frei Gaspar de Carvaral em 1542, época em que ele integrou uma expedição espanhola que desceu o rio Amazonas.

A base histórica dá um ar especial à narrativa, que oscila entre linhas narrativas nos séculos XI, XVI e XXII. É fascinante sermos apresentados às culturas indígenas, seus dialetos e rituais, e à geografia amazônica, num circuito integrado com tecnologias impensáveis mesmo nos dias atuais.

Sim. As amazonas no enredo são/eram/serão indígenas altamente tecnológicas. Em determinados momentos, o livro ganha ritmo e adrenalina de thrillers, com cenas que parecem oriundas dos filmes do MCU ou da saga Missão Impossível. São descritas e montadas com maestria, mas confesso que gostei ainda mais dos momentos mais calmos de mergulho nas culturas e nas personagens, mulheres poderosas e reais, e nos momentos em que a ficção histórica ganhava ares SciFi com a adição das tecnologias cedidas pela misteriosa e avançada cidadela amazônica de Tabora Boti.

“… Se nós vamos ser lembradas até o dia em que o Sol fechar os olhos, como vamos sumir? Monokye abriu uma pequena fenda entre as pálpebras e encarou Kunhã’y através daquela fresta. − A Lua também some − disse.”

Antes das amazonas, fui apresentado à Eveline, a personagem principal de Purgação (Saifers), romance de Aelita Lear. É interessante vermos como a ficção científica deixou de ser um gênero restrito a histórias distópicas ou espaciais. Abrange todos os olhares, inclusive os mais românticos e intimistas. Eveline, que perdeu a visão em um incidente, procura uma vidente e se depara com uma série de consequências após a consulta. Ácida, a personagem faz várias escolhas ao longo das páginas.

Curto quando a personagem faz de tudo para ser detestada, ao invés daquela que nos chantageia emocionalmente. Assim como em Guerreiras Amazonas, temos superpoderes em jogo, mas por razões e demonstrações muito distintas.

Para terminar o pacote Saifers, há o conto A Prole (Saifers), primeiro de uma série de histórias de Maikel Rosa sobre a transição entre os humanos atuais e os pós-humanos. Na história, uma mulher busca por seu filho desaparecido e esta jornada nos força a questionar o que é ser humano e o quanto nossas memórias podem nos trair ou, ao contrário, definir o que somos.

Contos deste mundo e de outros

Num mês (mais ou menos) dedicado a contos, bebi de fontes muito distintas e igualmente fascinantes.

Começando pelo dever de casa e tributo aos mestres, li O Cobrador (Nova Fronteira), livro de contos cuspidos com ódio por Rubem Fonseca, ainda ferido pela proibição de Feliz Ano Novo pela Ditadura. São histórias e narrativas secas, cruas, sangrentas, vulgares, violentas, reais. Alguns se tornaram clássicos, como Mandrake, em que somos apresentados ao advogado/detetive que virou filme em 2012.

Entre vários socos no estômago, destaco o conto que abre e dá título à coleção, O Cobrador, que segue o mesmo tom e temática de Feliz Ano Novo. Também me arrepiou O Jogo do Morto, uma história sobre amigos viciados em apostas de todos os tipos. O mais potente da ficção de Fonseca é que ela se apresenta real, crua, próxima. Desagradavelmente próxima, com personagens repugnantes.

De repugnantes a fascinantes e apaixonantes, chegamos às personagens das histórias de Fábulas do tempo e da eternidade (Dandelion), magnífica coleção de contos de Cristina Lasaitis. As narrativas oscilam entre o realismo fantástico/mágico e a ficção científica. A escrita é madura, sofisticada sem ser piegas, meticulosa. Um livro absolutamente fantástico.

Destaco a filosófica história Viagem além do absoluto, a tristíssima Irmãos Siameses, a encantadora e deliciosa De onde viemos, para onde vamos (narrada por uma estátua de praça pública) e a hard SciFi Assassinando o tempo. O tempo é abordado por diversos pontos de vista, da escala microscópia da vida compartilhada pelos irmãos siameses à eternidade cósmica da fria morte do universo. Lindo.

“Solidão é a palavra. A minha palavra. O meu hábito. Eu a visto como a noiva veste branco e a viúva veste preto.”

Por fim, a maratona Julio Cortázar segue firme e forte. Foram duas coleções de contos nessas últimas semanas: As armas secretas (1959) e Histórias de Cronópios e de famas (1962), ambas da edição da Companhia das Letras.

Cortázar é uma inspiração fortíssima para mim. Me encanto com sua habilidade em construir histórias profundas em poucas linhas de texto, de pensar em enredos perturbadores ou apenas narrar a curta e triste vida das gotas que escorrem pela madeira da janela, brincar com dicionários e definições, inventar criaturas.

É difícil pinçar contos isolados para jogar confete, mas vamos lá. De As armas secretas, destaco As babas do diabo, com uma metalinguagem machadiana, quebrando a quarta parede e uma narrativa em retrospecto maravilhosa. Também vale celebrar Cartas de mamãe. De Histórias de Cronópios…, que inclui várias experimentações no limite do que podemos chamar de contos, há algumas pérolas como as divertidas e desconfortáveis Correios e Telecomunicações e Comportamento nos velórios. Também temos Acefalia (sobre um sujeito decaptado mas que é forçado a seguir vivendo sem a cabeça), a arrepiante As linhas da mão, Esmagamento das gotas (sobre isso, gotas caindo, nada mais) e a fabulesca História sem moral.

Começa a ficar difícil manter o TOP 3 atualizado. Faço isso quando concluir o próximo livro. Compenso com alguns fragmentos incríveis:

“… as palavras e os gritos eram coisas que a rigor podem ser vendidas, mas não compradas, embora pareça absurdo.”

“Cortaram a cabeça de um senhor, mas como depois estourou uma greve e não houve como enterrá-lo, esse senhor teve que continuar vivendo sem cabeça e se virando do jeito que conseguia.”

“(uma gotinha)… Está presa com todas as unhas, não quer cair e dá para ver como se prende com os dentes enquanto sua barriga cresce, já virou um gotão que pende majestoso, e de repente zup, lá vai, plaf, se desfez, nada, uma viscosidade no mármore.”

E esse livro novo aí?

Livros, no plural. Além das leituras, ajudei com a betagem de muita coisa boa que vem por aí pelo selo Saifers e me dediquei aos afazeres de um próximo lançamento. IVUC, minha comédia SciFi Biruleibe, está para completar 1 ano de lançado. Outros romances estão em diferentes estágios, mas sem previsão de finalizar (vou com calma). Então, aproveitei a brecha entre textos longos para compilar contos de ficção científica escritos nos últimos anos. Tem muita coisa inédita e edições atualizadas, ampliadas e revistas de materiais já publicados. Aí olhei para todos os textos não-SciFi. A maioria é de realismo mágico/ fantástico (a la Borges ou Cortázar), ou apenas mundanos (a la Veríssimo ou Fonseca). Não querendo misturar a estações, o que fiz? Isso mesmo: dois livros de contos que vão sair quase ao mesmo tempo.

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