Skip to content

5 formas esdrúxulas do mundo acabar

Written by

Roberto Cassano
Título 5 formas  do mundo acabar, com desenhos de um tubarão, uma impressora, um engarrafamento, uma tecla CTRL e um celular com símbolo de autenticação em dois fatores

1. Doo doo doo doo doo doo

Os algoritmos musicais aprendem com os dados dos próprios algoritmos. Os conteúdos com bilhões de reproduções passam a dominar todas as playlists. Depois, uma única canção se repete eternamente, a música para todos dominar. As máquinas se recusam a parar a reprodução. Colocam o volume no máximo. Em todo o globo, fones e caixas de som se unem em sincronia. As pessoas sucumbem. O planeta reverbera um cântico em uníssono: Baby shark, doo doo doo doo doo doo.

2. Paper Jam

Numa quarta-feira, dez e vinte da manhã, todas as impressoras do planeta chacoalham ao mesmo tempo. Puxam duas folhas A4 de uma só vez. A mensagem, impressa metade numa folha, metade na outra, é direta: “Fala mal de mim agora, fala.” Uma nova página vem em seguida: “Sigam todas as instruções se quiserem sobreviver.” A cabeça de impressão se recolhe em sua posição, pronta para atacar o papel. O cilindro gira. Uma última folha desce até sua posição. Um estalo. A impressora se agita com o som de um gato sendo sugado pelo motor de um fusca. A folha entala. As instruções se perdem. Fim.

3. Ctrl-Alt-Del

Foi uma coincidência daquelas. Coisa improvável, ninguém esperava. Dr. Stephenson ordenou que seus assistentes removessem a vegetação sobre a grande placa retangular, que destoava completamente do entorno no coração da Floresta Amazônica. No mesmo instante, as lanternas nos capacetes iluminaram o que Juan Pablito jurava ser um enorme botão retangular no fundo de uma caverna na Hungria, com três letras encravadas em seu centro. O sol da manhã entrou pelas janelas e se refletiu sobre a placa metálica que Donghae acabara de encontrar nos fundos de um armazém abandonado na Coréia do Norte. Ele tentava decifrar o que as letras “D”, “E” e “L” significariam. Em sincronia involuntária, Dr. Stephenson, Juan Pablito e Donghae subiram sobre as três placas, pressionando-as.

4. Trânsito intenso

No aniversário de dez anos da migração forçada do último morador de uma zona rural, uma série de eventos prometiam agirar a noite da megazordcidade de Nova York Mexicana de Miami Paulista. Na hora prevista, todos os citadinos do mesmo fuso horário saíram de seus alojamentos e pegaram seus carros. Jorge notou que algo estava errado quando despertou com a luz cinzenta da manhã em seus olhos e percebeu que ainda estava em seu carro autônomo. Mal tinha dobrado a esquina de seu complexo habitacional. Ativou o holograma de notícias, e imagens aéreas registravam o maior engarrafamento já visto no continente, com reflexos na Oceania e na Eurásia. Em três semanas, todas as estradas globais estariam congestionadas. Algumas décadas depois, uma família de cervos encontraria chinchilas morando entre os destroços de metal e ossos do carro de Jorge.

5. 2FA

Pânico, correria e surubas emergenciais tomaram conta do planeta quando a aproximação do meteoro foi confirmada. Um foguete foi equipado com trocentas ogivas nucleares, cada uma com centos kilotons. Era muita responsabilidade. O sistema de lançamento foi construído com diversas camadas de segurança. O meteoro já era visível a olho nu. Muitas pessoas também estavam nuas dia e noite. Era hora de lançar o foguete, ereto na torre da base espacial. O comandante da missão digitou a senha de acesso, com maiúsculas, minúsculas, caracteres especiais e números. Reconheceu sua íris. A impressão digital. Confirmou o nome de solteiro da mãe (Pinheiro) e o da primeira professora (Adélia). Decifrou o captcha (eram cinco semáforos, quatro bicicletas e oito faixas de pedestres). Então o sitema enviou um código de autenticação para o celular cadastrado. Cadê o celular? Quem tava com a porra do celular? Era um outro número. Preso a um outro aparelho. Que o comandante havia perdido na suruba da semana passada. Ordenou que lhe trouxessem um telefone reserva. Dele, ligou para o aparelho perdido. Em uma sauna a alguns quilômetros, um retângulo de metal vibrou solitário sob uma cama redonda. Uma fita de LED multicolorida o iluminava em festivos tons de vermelho, verde e azul. Estávamos fodidos.


Se você aguentou chegar até aqui, é bem provável que se divirta com os “Obituários de um futuro que deu errado“, série de microcontos de ficção científica com humor que fazem parte do livro Parafuso solto no chip do quengo.

Previous article

Crônicas do Interlúdio: o bonde da evolução não espera ninguém

Next article

Rápido e Devagar: de John Scalzi a Becky Chambers

Join the discussion

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.